Devemos suspender terapêutica com análogos das prostaglandinas no per-operatório da cirurgia de catarata e/ou glaucoma?

Sérgio Estrela Silva, MD
Os análogos das prostaglandinas foram aprovados desde 2008 pela FDA como tratamento de primeira linha no glaucoma. Representam a medicação mais utilizada no tratamento do glaucoma e da hipertensão ocular. Atuam principalmente aumentando o efluxo na via uveo-escleral e na rede trabecular permitindo uma diminuição média de 30% da pressão intraocular. Trata-se duma substância com bom perfil de segurança e com poucos efeitos laterais a nível sistémico. Contudo estas substâncias têm vários efeitos laterais a nível ocular como a hiperemia conjuntival, a hiperpigmentação iris ou pele periorbitária, a hipertricose, a reativação de ceratite herpética e o agravamento de inflamação ocular.
Nesta discussão interessa saber se uma das medicações mais utilizadas no tratamento do glaucoma tem influência no resultado cirúrgico nos doentes submetidos a cirurgia de catarata e/ou glaucoma.
Um dos efeitos associados ao uso das prostaglandinas é o desenvolvimento do edema macular cistoide após a cirurgia de catarata. A prevalência do edema macular cistoide após a cirurgia de catarata depende de como se define o edema macular cistoide. Considera-se nesse texto o edema macular cistoide clinicamente significativo que se define como aquele que está presente angiograficamente e que condiciona uma diminuição da acuidade visual e tem uma incidência de 1% a 5%.
Existem estudos randomizados comprovando o aumento de edema macular cistoide com o uso per operatório na cirurgia de catarata e faz sentido considerar a sua suspensão na cirurgia de catarata1.
Na literatura estão publicados vários casos clínicos ou serie de casos onde relatam uma associação temporal entre o uso de prostaglandinas e o aparecimento de edema macular cistoide nos doentes com glaucoma submetidos a cirurgia de catarata. Não fica bem claro quais os mecanismos nesses doentes que levam ao aparecimento deste edema; se os conservantes , as prostaglandinas per si ou a própria cirurgia que nestes doentes é muitas vezes mais complicada2. Existem alguma controvérsia quanto a exata fisiopatologia do desenvolvimento do edema. Os análogos das prostaglandinas atuam aumentando e ativando vários mediadores inflamatórios levando a um aumento da permeabilidade vascular intraretiniana podendo logicamente levar ao aparecimento dum edema3. Este efeito está descrito na literatura para os três análogos de prostaglandina como o latanoprost, o travaprost e o bimatoprost não parecendo haver diferenças entre as três substâncias assim como em doentes tratados com preparações sem conservantes4.
Contudo num estudo retropectivo sobre a incidência de edema macular cistoide pós cirurgia de catarata no Reino Unido envolvendo mais de 81.000 cirurgias as prostanglandinas não parecem aumentar a presença de EMC5.
Outras perguntas pertinentes são as seguintes: Devemos parar a medicação em todos os doentes? Quando parar e quando recomeçar?
Existem doentes considerados de alto risco de desenvolvimento de edema macular cistoide como por exemplo os doentes com história de oclusão venosa retina, diabetes, uveíte, com presença de tração vitreomacular, membrana epiretiniana, afaquia ou após rutura capsula posterior6, em que na minha opinião a suspensão dos análogos das prostaglandinas está fortemente indicada. Mas por outro lado e porque os doentes são todos diferentes deve-se analisar o quão importante é a medicação para o controlo da pressão intraocular e se é prudente suspender a terapêutica. Ponderar o risco benefício da sua suspensão. Em determinados doentes como nos doentes com glaucoma terminal com difícil controlo tensional, esta prostaglandina deverá ser mantida até ao dia da cirurgia de forma a manter um bom controlo da pressão intraocular. Nos outros doentes fica ao critério do cirurgião decidir se suspende ou não a medicação. Num estudo realizado pelo Royal College of Ophthalmologists 60% dos cirurgiões não suspendiam o tratamento com análogos de prostanglandinas após uma cirurgia de catarata sem complicações7.
Outra questão é quando se suspende e reinicia a terapêutica. Na literatura a recomendação é empírica e alguns preconizam a suspensão 7 a 10 dias antes da cirurgia e propõem reiniciar a terapêutica 4 a 6 semanas depois da cirurgia. Numa grande percentagem de doentes a cirurgia proporciona uma diminuição significativa da pressão intraocular e consequentemente diminui a necessidade de terapêutica hipotensora ocular. Nalguns casos pode até permitir uma suspensão total da medicação. Nos doentes com necessidade de controlo da hipertensão ocular no pós operatório, o controlo é conseguido eficazmente com os agonistas alfa adrenérgicos, os beta bloqueadores ou os inibidores da anidrase carbónica tópicos ou sistémicos, ficando os análogos da prostaglandinas como terapêutica de ultima linha nesse período.
Atualmente a presença de agentes anti inflamatórios tópicos não esteroide potentes permitiram reduzir significativamente a incidência de edema macular cistoide. Nos doentes em que a medicação tem de ser mantida, a medicação prévia e mais prolongada com anti inflamatórios tópicos não esteroides parece ser mais indicada.
Portanto e para resumir recomendo a suspensão da terapêutica com análogos de prostaglandina uma semana antes da cirurgia excepto em casos particulares em que o benefício dum bom controlo da pressão intraocular se sobrepõem ao baixo risco de desenvolvimento dum edema macular cistoide. No pós-operatório a terapêutica se necessária deverá ser reiniciada quatro a seis semanas após a cirurgia.
Outros dos efeitos mais raro descrito na literatura são a associação entre o descolamento coroideu e a terapêutica tópica com análogos das prostaglandinas nos doentes submetidos previamente a cirurgia de glaucoma8. Um mecanismo sugerido para explicar este fenómeno são que os análogos das prostaglandinas atuam na via uveo-escleral independetente da pressão podendo baixar a pressão para níveis inferiores ao da pressão venosa epiescleral e assim provocar uma hipotonia e um descolamento coroideu. No entanto e face a pequena prevalência deste efeito não recomendo ou acho contraindicado o uso desta potente ferramenta nos doentes submetidos a cirurgia de glaucoma já que na maioria dos casos a suspensão da terapêutica leva a um aumento da PIO e posterior resolução do descolamento coroideu.