Hoje em dia reconhece-se alguma atitude terapêutica ou estilo de vida neuroprotector?

José Guilherme Monteiro, MD, PhD, FRCOphthal, FEBO

CHEDV - Hospital de São Sebastião, Santa Maria da Feira.

Na área do glaucoma, entende-se por neuroprotecção qualquer actuação capaz de atrasar, impedir ou reverter a sequência de processos patológicos associados à apoptose e que levam à morte das células ganglionares da retina. Infelizmente, continua sem haver uma imagem global dos mecanismos da apoptose e os conhecimentos resultantes de modelos animais do glaucoma, apesar de promissores, não se têm mostrado transponíveis para o Homem e não devem ser sobrevalorizados1.

É hoje reconhecido que factores sistémicos, nomeadamente cardiovasculares, influenciam a progressão do glaucoma2 e que esta doença tem muitas semelhanças com doenças neurodegenerativas do SNC, em especial com a doença de Alzheimer. É também consensual que a redução da pressão intra-ocular (PIO) pela terapêutica médica ou cirúrgica, actuação básica no tratamento do glaucoma, é capaz de prevenir ou reduzir a lesão ganglionar e, como tal, tem uma acção neuroprotectora. Assim, a questão é saber se há algo mais que possa ser utilizado para o mesmo fim.

O interesse em processos alternativos para reduzir a PIO não é recente e já pelos anos 70 vários autores sugeriram a possibilidade de recorrer a meios físicos ou a medicamentos não convencionais3,4.

Os estudos epidemiológicos relativos à importância do estilo de vida ou características metabólicas individuais no glaucoma são reduzidos. Muitos dos resultados são contraditórios e por vezes incompreensíveis, o que é particularmente de realçar no caso do tabagismo. Na mulher a obesidade aumenta a PIO, mas reduz o risco de glaucoma de ângulo aberto (GAA).

O aumento da incidência de glaucoma após a menopausa indica um efeito protector dos estrogénios, mas o uso prolongado de anticonceptivos orais é responsável por um aumento moderado do risco. É reconhecido que certas actividades, como o exercício físico ou o consumo de álcool, podem reduzir a PIO em 1-5 mmHg. Inversamente, o exercício físico violento (levantamento de pesos), a ingestão de água, o café ou a posição Sirsasana do ioga podem aumentar a PIO, geralmente 1-4 mmHg, embora no ioga a PIO possa duplicar. Estes efeitos são geralmente de curta duração, não ultrapassando na maior parte dos casos os 90 minutos. Contudo, apesar das variações tensionais, não há provas de que nestes casos a redução da PIO diminua o risco de glaucoma, ou que o seu aumento favoreça o aparecimento de GAA (uma excepção é o uso de instrumentos de sopro, em que se observam alterações dos campos visuais correlacionadas com a duração cumulativa da utilização); os mecanismos subjacentes a esta discrepância entre variação tensional e risco de glaucoma não são compreendidos5,6.

Embora sem comprovação definitiva, admite-se que diversos mecanismos podem interactuar na cascata de processos da apoptose, como a alteração do fluxo sanguíneo no nervo óptico e/ou retina, alteração das características hemorreológicas, activação plaquetária, lesão oxidativa das membranas celulares (nomeadamente mitocondriais) por radicais livres, processos imunes, etc.

Face à multiplicidade de possíveis mecanismos intervenientes, surgiram numerosas propostas de intervenção terapêutica não convencional.

A actuação mais simples consiste na alteração dietética, seja por modificação da alimentação ou por fornecimento de suplementos alimentares, como antioxidantes (ex., vitaminas C e E, carotenóides), ácidos gordos poliinsaturados (ómega-3 e ómega-6), flavonóides e polifenóis (existentes no chocolate negro e no vinho tinto) ou oligoelementos (zinco ou selénio). Mas não há qualquer prova do benefício destas intervenções dietéticas.

As alterações da pressão arterial sistémica têm influência importante no fluxo sanguíneo ocular; mas desconhecem-se as consequências a longo prazo para o nervo óptico e função visual resultantes da manipulação tensional. Há algumas indicações que a acção central da adenosina, estrogénios, bloqueadores dos canais de cálcio ou precursores do NO, podem ter um efeito benéfico no fluxo sanguíneo, enquanto a endotelina-1 e a indometacina parecem ser prejudiciais.

Tem sido advogada a utilização da acupunctura. Mas a ausência de ensaios randomizados, a par do reduzido número dos ensaios disponíveis e da sua reduzida dimensão, não permite qualquer conclusão quanto à validade deste método no tratamento do glaucoma7.

Há resultados experimentais que sugerem um efeito neuroprotector de fármacos usados no tratamento tópico do glaucoma, como os bloqueadores adrenérgicos beta, em especial o betaxolol, e a brimonidina. O mecanismo de actuação da brimonidina não é conhecido, enquanto que o dos bloqueadores beta parece dever-se à protecção ganglionar resultante do bloqueio dos influxos exagerados de sódio e cálcio, consequentes à activação excessiva dos receptores do glutamato. Mas são resultados obtidos in vitro e em animais, ainda não comprovados no Homem.

Dos fármacos não convencionais, os mais estudados são a memantina e os extractos da planta Gingko biloba. Há ainda algum interesse relativo aos canabinóides; mas, para além dos problemas legais e de toxicidade existentes, estes apenas parecem capazes de alguma redução tensional, não se comprovando um efeito neuroprotector.

A memantina, aprovada para o tratamento de algumas patologias degenerativas do SNC, é um bloqueador de canal aberto do receptor NMDA do glutamato, o que explica simultaneamente a sua eficácia e tolerância. A aparente analogia com o glaucoma levou a um ensaio de fase III, que ao fim de 7 anos não conseguiu mostrar diferença significativa entre a memantina e o placebo. No entanto é de admitir que este resultado seja consequência da existência de vários estímulos para a apoptose e que a combinação de fármacos com diferentes mecanismos de acção possa vir a demonstrar eficácia8.

De todos os extractos vegetais, o da Gingko biloba é o conhecido há mais tempo e o mais usado e estudado. É um produto complexo, rico em glicosídeos flavonóides e lactonas terpénicas. É desprovido de acção hipotensora ocular mas são referidos múltiplos efeitos que potencialmente podem permitir uma acção neuroprotectora, tais como antioxidante e eliminador de radicais livres; estabilizador da membrana mitocondrial com melhoria da actividade da mitocôndria; vasorelaxante, reológico e antitrombótico ou anti-inflamatório3. Com base nos dados experimentais e clínicos existentes, o extracto de Gingko biloba é de utilização relativamente segura e pode, em teoria, ser útil nos glaucomas que progridem apesar de uma PIO de valor normal1.

Em conclusão, no glaucoma há ainda muitas dúvidas em relação à neuroprotecção, em parte resultantes da complexidade das diferentes acções de uma mesma causa. É assim possível que do antagonismo em duas estruturas resulte neutralização dos efeitos – por exemplo, o NO pode melhorar o fluxo sanguíneo mas também é directamente lesivo para as células ganglionares e se o café pode aumentar a PIO, também possui antioxidantes que podem ter efeito neuroprotector. Também é possível concluir que se não há actividades “normais” ligadas ao estilo de vida que comprovadamente sejam de excluir no glaucoma, também não está demonstrado que qualquer delas possa exercer um efeito neuroprotector, embora uma dieta equilibrada e exercício físico regular sejam de aconselhar pelos seus efeitos sobre o estado geral. Quanto aos medicamentos, a eficácia da memantina não foi demonstrada; dos restantes, o extracto de Gingko é potencialmente de interesse, mas nenhum estudo humano provou ainda a sua eficácia a longo prazo9,10.

Assim, a única estratégia comprovada para prevenir as complicações do glaucoma é a utilização de tratamento hipotensor ocular. Mas, como referiu recentemente o Dr. A. Bron, há cada vez mais doentes que, baseados em informações da Internet ou outras fontes menos fidedignas, discutem a vantagem dos tratamentos “naturais” em relação ao tratamento hipotensor.

Dezembro 2012