Devemos usar em todos os doentes colírios sem conservantes?

João Segurado, MD

Médico Oftalmologista, Chefe de serviço de Oftalmologia.

Sim, claro.

A utilização de colírios sem conservantes coloca o olho (superfície ocular, trabeculo, cristalino) ao abrigo dos seus comprovados efeitos tóxicos e inflamatórios.

Esta constatação é tanto mais real quanto maior for a duração previsível do tratamento e maior a quantidade de conservante presente no ou nos colírios a utilizar.

Infelizmente não dispomos ainda de todos os princípios activos que utilizamos na terapêutica anti-glaucomatosa em formulações monodose ou multidose sem conservantes usando sistemas de condicionamento como o ABAK® ou COMOD® o que nos obriga ainda a recorrer com frequência a colírios em frascos multidose com conservantes.

Os conservantes, não são todos iguais, variam na composição química, e concentração utilizada. De igual modo, os seus efeitos adversos estão também relacionados com a concentração e tempo de permanência em contacto com a superfície ocular1. O tempo previsto de utilização pode também pesar na escolha da terapêutica, permitindo o uso por curtos períodos de colírios com conservantes, sem inconvenientes de maior.

A maioria dos colírios usados no glaucoma têm como conservante o Cloreto de Benzalcónio em concentrações variáveis (0.004 a 0.02).

O Cloreto de Benzalcónio é responsável por uma diminuição do número de células caliciformes conjuntivais com a consequente diminuição da produção de muco. Tem propriedades detergentes que, em conjunto com a diminuição da produção de muco, levam a uma alteração da camada lipídica do filme lacrimal, com consequente aumento da evaporação, hiperosmolaridade do mesmo, seguida  por hiperosmolaridade intracelular ,diminuição do volume celular, libertação de mediadores inflamatórios ( citoquinas pró inflamatórios IL-8,  IL-6, IL-I Beta, TNF-alfa, CCL2) e MMPs.    A hiperosmolaridade  intracelular  faz também aumentar o stress oxidativo com aumento das espécies de oxigénio reactivo e diminuição da produção de enzimas antioxidantes que por sua vez leva a alterações do ADN  proteico e apoptose celular.2

A diminuição da produção do componente aquoso das lágrimas por exaustão pós híper estimulação da glândula lacrimal com destruição dos ácinos celulares e sua substituição por células inflamatórias e tecido conectivo.

Iniciam-se e perpetuam-se assim os mecanismos de perturbação da superfície ocular que levam a tantas queixas, tantas perdas de adesão ao tratamento com o fármaco principal.

Uma grande contrariedade da terapêutica do Glaucoma com colírios multidose com conservante é a grande prevalência de doença da superfície ocular nos doentes com glaucoma, 59% segundo Leung E.W.,et al3 (ambas têm em comum o grupo etário e a preponderância do sexo feminino). Facilmente se compreende que o seu uso possa desequilibrar uma superfície ocular frágil, desenvolvendo uma DSO (Doença da Superfície Ocular)4.

Leung et al. no seu estudo “Prevalence of Ocular Surface Disease in Glaucoma Patients”3 conclui que os sinais e sintomas da DSO são mais prevalentes nos doentes com Glaucoma medicados com colírios com conservantes, e sugere que o seu uso possa ter um impacto negativo na Qualidade de Vida nos itens relacionados com a visão.

A qualidade de vida dos doentes tem vindo a merecer cada vez mais atenção por parte da comunidade médica em geral e pelos oftalmologistas que têm a seu cargo pacientes com doenças de tratamento arrastado como o Glaucoma em particular.

Questionários como o “Glaucoma Quality of Life-15 (GQL-15) Questionnaire”, estabelecem claramente a diferença entre a qualidade de vida de doentes com e sem glaucoma5,6.

Estudos, de que os de Goto E., et al publicado na American J. Ophtalmology, são exemplo, comprovam uma diminuição da qualidade de vida destes doentes, vindo corroborar as queixas insistentes e persistentes dos nossos doentes no dia a dia.

O uso prolongado de colírios hipotensores com conservante (BAK), provoca uma diminuição da sensibilidade corneana, responsável por uma discrepância entre os sinais e as queixas dos doentes7, retardando o diagnóstico, agravando a DSO e atrasando a suspensão do medicamento agressor.

Existem estudos que comprovam in vitro8,9, e in vivo em animais e no homem o efeito destrutivo do BAC na superfície ocular. Questionários específicos que quantificam o impacto negativo das terapêuticas com conservantes. Testes Clínicos com sensibilidades e especificidades várias que ajudam a medir o seu impacto na superfície ocular.

A má tolerância aos colírios anti glaucomatosos constitui o terceiro factor de diminuição da compliance (apenas superado pelo esquecimento, a não compreensão da prescrição ou da doença e a uma má relação médico/doente)10,11.

O aumento dos efeitos secundários induzido pelos conservantes (quantidade e qualidade) presentes nos colírios anti glaucomatosos constitui assim uma barreira a derrubar na aderência dos doentes à terapêutica.

Perante todas estas evidências a indústria farmacêutica tem procurado soluções quer no campo das monodose (mais onerosas), quer no campo das multidoses com sistemas que garantam a esterilidade e propriedades do fármaco principal (sistema Abak® ou sistema Comod®) ou em alternativa procurando conservantes menos tóxicos e igualmente eficazes.

Merecem aqui referência o SofZia (descrito como um sistema tamponado com borato de Zinco e sorbitol que compõe o Travatan Z 0.004%® lab Alcon Inc, disponível nos EUA) que diminui a frequência e severidade dos sinais e sintomas de DSO quando comparado com o Latanoprost (com BAK)12. Também o Polyquad, (usado no Travatan BAK-free® na EU na concentração 0.001%) sendo do mesmo grupo que o BAK, difere nas suas características físicas e químicas (PM hidrofilia), revelando-se muito menos agressivo para a superfície ocular mantendo a eficácia do fármaco principal13,14.

Não parece difícil defender um tratamento igualmente eficaz e comprovadamente mais bem tolerado que poderá condicionar o resultado a médio e longo prazo de uma terapêutica geralmente longa, quase sempre para toda a vida.

Portanto, SIM.

4ª Edição - Maio 2017