Qual o interesse da Iridotomia laser no Glaucoma Pigmentar?

José Guilherme Monteiro, MD, PhD, FRCOphthal, FEBO
O glaucoma pigmentar é um glaucoma secundário de ângulo aberto e a forma mais grave da síndrome de dispersão pigmentar. O quadro é mais frequente em indivíduos do sexo masculino, jovens (20-45 anos), com miopia moderada e de raça branca. O seu reconhecimento é importante, porque a identificação e tratamento precoces podem impedir ou parar a evolução, eventualmente até com a cura da doença.
A história do glaucoma pigmentar começa ao virar do século XIX com a descrição por Krukenberg de um depósito pigmentar na córnea. Nas duas décadas seguintes foi proposto que o pigmento teria origem na íris e estabelecida a relação causal entre o pigmento e o glaucoma. Em 1923 Jess refere-se pela primeira vez aos “Pigmentglaukoms”, passando o quadro a ser aceite como entidade autónoma e distinta do glaucoma primário de ângulo aberto a partir dos trabalhos de Sugar na década de 1940. A definição das características próprias da doença estabeleceu-se progressivamente e foi confirmada na grande revisão de Scheie e Cameron em 19811 e mais recentemente na de Niyadurupola e Broadway2.
Um passo importante no conhecimento desta doença e do seu tratamento foi o trabalho de Campbell3, em que este autor descreveu a concavidade da média periferia da íris e propôs um mecanismo fisiopatológico que se mostrou capaz de explicar a generalidade das características do glaucoma pigmentar (Fig. 1). De acordo com esta proposta, haveria um bloqueio pupilar inverso. Em consequência, a passagem de humor aquoso para a câmara anterior não seria compensada com retorno à câmara posterior e conduziria a aumento da pressão na primeira em relação à segunda. Este aumento da pressão anterior seria responsável pela concavidade da íris que, por sua vez, iria aumentar o contacto e atrito entre o neuroepitélio da íris e as zónulas e processos ciliares (Fig. 1).
Fig. 1 Representação esquemática do ângulo camerular. A – normal. B – glaucoma pigmentar; representa-se a concavidade posterior da íris e o contacto das zónulas com a face posterior da íris.
Deste traumatismo resultaria a lesão das células pigmentadas da íris com libertação do seu pigmento; consequentemente apareceriam áreas radiais de transiluminação da íris a par de depósitos de pigmento na córnea, íris, cristalino (é característico um anel pigmentado na periferia da face posterior do cristalino) e trabéculo. Se a libertação de pigmento se mantiver, os depósitos trabeculares, que podem ser muito densos, acabam por originar disfunção trabecular e obstrução das vias de escoamento, com o aumento subsequente da pressão intra-ocular (PIO) e suas consequências sobre as estruturas oculares. Também a precocidade do aparecimento da patologia pode ser explicado pelo aumento mais precoce das dimensões no olho míope, o que permite mais espaço para a concavidade da íris. De modo análogo, o agravamento que se observa após o exercício físico ou a acomodação resulta de um contacto mais estreito com a face posterior da íris nestas situações. Finalmente, a menor incidência na raça negra seria resultante da maior espessura do estroma iridiano, que assim tornaria a íris mais rígida e menos susceptível de deformação.
Independentemente das razões morfológicas predisponentes, que foram confirmadas por biomicroscopia ultrassónica4, o elemento primordial na fisiopatologia do glaucoma pigmentar é o efeito de válvula inversa, com contacto entre as zónulas e a íris5. Assim, o tratamento tem por objectivo eliminar este comportamento anómalo e permitir a igualização entre as pressões na câmara anterior e na posterior, com consequente aplanamento da íris periférica e seu afastamento dos feixes zonulares e dos processos ciliares, o que interrompe o mecanismo de libertação de pigmento.
O efeito terapêutico pode ser conseguido com o uso de mióticos, podendo o equilíbrio de pressões ser também obtido pela iridotomia cirúrgica.
Qual o interesse da iridotomia laser no glaucoma pigmentar?
No início dos anos 90, Karickhoff6 mostrou que após iridotomia laser havia passagem de pigmento para trás e rápido aplanamento da íris. Isto confirmou que a pressão na câmara anterior era superior à posterior e a responsável pelo abaulamento posterior da íris.
A iridotomia laser parece pois a escolha óbvia para o tratamento do glaucoma pigmentar. Além de permitir a comunicação entre a câmara anterior e posterior e a igualização de pressão nas duas, a iridotomia não tem os inconvenientes das alternativas terapêuticas. A medicação tópica com mióticos, além da redução tensional, dá lugar a miose que não só dificulta a passagem de humor aquoso em direcção à câmara anterior como distende a íris e reduz a dispersão pigmentar. Mas apresenta vários inconvenientes resultantes da contracção ciliar, nomeadamente os devidos à acomodação em doentes jovens e o risco de rasgaduras da retina periférica, de temer neste doentes pela predisposição resultante da existência de miopia. Por outro lado, a cirurgia incisional não é desprovida de complicações, nomeadamente as resultantes da descompressão ocular e as devidas a uma intervenção intra-ocular.
A iridotomia laser é mais eficaz no controlo da PIO nos doentes mais jovens, com menos de 40 anos, admitindo-se que tal seja consequência da menor alteração da malha trabecular. Este facto e a observação de que o número de grânulos de melanina no humor aquoso se reduz após a iridotomia7 levam a admitir que a utilização do YAG possa ser considerada como tratamento profiláctico na síndrome de dispersão pigmentar ou nos glaucomas pigmentares iniciais4, antes de as lesões trabeculares se tornarem irreversíveis.
Embora se pense que o efeito da iridotomia se mantém enquanto ela estiver permeável, é necessário o acompanhamento regular dos doentes, para verificar a manutenção da permeabilidade e para tratar atempadamente aumentos tensionais que possam surgir. De facto, se o efeito benéfico da iridotomia é indiscutível nos quadros iniciais, especialmente nos mais jovens, só por si não reduz a PIO quando o glaucoma já está instalado e não assegura o controlo tensional a longo prazo, como foi demonstrado em estudos recentes8,9.