Qual é o impacto do glaucoma na qualidade de vida dos doentes e como o avaliamos?
Fernando Silva, MD
No que diz respeito ao glaucoma, nós, Oftalmologistas, preocupamo-nos com questões como a pressão alvo, a medicação mais eficaz, a tolerância à terapêutica e as indicações para a cirurgia. No entanto, o doente não apresenta as mesmas prioridades e está mais preocupado com a sua perda de visão, com o impacto do glaucoma na sua liberdade e na realização das tarefas diárias e, principalmente, com o receio de cegar.
O fundamental não deve ser a pressão alvo, mas sim a preservação da qualidade de vida, pelo que é necessário avaliar os prós e contras da medicação, selecionar bem o tipo de terapêutica e decidir se se deve ou não medicar, de forma a evitar uma hiper-medicação.
De acordo com a European Glaucoma Society, o objectivo do tratamento do glaucoma é manter a função visual do doente e qualidade de vida relacionada, com um custo sustentável. A qualidade de vida está intimamente ligada com a função visual e, portanto, a redução na qualidade de vida nos doentes com lesões glaucomatosas ligeiras a moderadas é modesta, enquanto a qualidade de vida está consideravelmente reduzida quando ambos os olhos apresentam uma perda de função visual avançada1.
O risco de encontrarmos uma perda de qualidade de vida devido ao glaucoma deve determinar a pressão alvo, assim como a intensidade do tratamento e a frequência das consultas de seguimento1.
Os fatores que podem interferir com a qualidade de vida do doente são o diagnóstico de glaucoma, a perda funcional associada, os inconvenientes da aplicação do tratamento e os seus efeitos secundários, assim como o seu custo económico.
Devemos estar preparados para avaliar o impacto de todos estes fatores no próprio doente, de forma a ponderar seriamente se se deve iniciar a terapêutica e avaliar até que ponto devemos ser agressivos na obtenção da pressão alvo e na prevenção da progressão do glaucoma.
Na prática clínica diária raramente se mede a qualidade de vida dos doentes com glaucoma, por questões logísticas, porque se sabe que as alterações quantificáveis são demasiado tardias para poderem ser usadas no tratamento dos doentes e porque atualmente ainda não é possível quantificar ou determinar o momento exato em que o dano glaucomatoso começa a afetar significativamente a qualidade de vida do doente.
Geralmente, a primeira queixa apresentada pelos doentes com glaucoma é a dificuldade com os extremos de luminosidade. Além disso, os indivíduos com glaucoma bilateral referem também dificuldades na realização de variadas tarefas (leitura, marcha e condução) e alguns estudos demonstraram também a ocorrência de maiores taxas de acidentes em doentes com glaucoma2.
O glaucoma bilateral está associado a um maior choque contra objetos, marcha mais lenta e quedas, bem como a observação de efeitos moderados na velocidade de leitura com alterações do campo suficientemente severas para afetar a visão binocular central2.
Ao nível da morbilidade é de salientar o elevado risco de quedas e de fraturas da bacia nos idosos, em consequência da perda de campo visual, fator a ter em conta quando se sabe que os doentes com glaucoma têm uma probabilidade de queda três vezes superior3. Os doentes com glaucoma apresentam também uma probabilidade de acidentes de viação três vezes maior, evitando estes doentes, muitas vezes, a condução nocturna, com nevoeiro, em hora de ponta e em auto-estradas4.
Nas últimas guidelines da Sociedade Europeia de Glaucoma (2104) constam algumas orientações acerca dum conjunto de questões a colocar ao doente com glaucoma, sendo de salientar as seguintes, no que diz respeito à avaliação da qualidade de vida5:
• Como se tem sentido?
• Tem tido dificuldades na sua vida diária?
• O tratamento que faz para o glaucoma interfere com as suas atividades diárias?
• Está preocupado com os seus olhos?
A avaliação do impacto, resultante do glaucoma e seu tratamento, sobre a qualidade de vida do doente, é habitualmente um processo subjetivo, efectuado através da experiência sentida pelo doente, um processo para o qual já existem muitas ferramentas, de forma a fazer a avaliação da qualidade de vida.
Em relação aos questionários que podemos usar na avaliação do impacto do glaucoma na qualidade de vida, o questionário ideal deveria ser fácil de usar na prática clínica, usar o menos possível de cálculos matemáticos, permitir a obtenção de dados reprodutíveis, conter questões simples e não ambíguas e ser o mais específico possível na área do glaucoma6.
No que diz respeito ao questionário visual genérico mais usado nesta área devemos destacar o NEI-VFQ-25 (25-item National Eye institute Visual Function Questionaire)7 e, dentro dos questionários mais específicos do glaucoma ,o GQL-15 (Glaucoma Quality of Life-15)8.
Estes questionários têm a vantagem de avaliar várias dimensões da qualidade de vida relacionada com a visão e apresentam também sub-escalas que permitem medições independentes em cada domínio. Contudo, a dimensão dos questionários limita a sua aplicação prática e existe uma subjectividade importante na avaliação individual das limitações de cada doente.
A principal fraqueza dos questionários é a de depender maioritariamente dos sintomas físicos e não dos fatores sociais e pessoais.
Alguns investigadores propuseram o uso de medidas relacionadas com a performance, como seja o Assessment of Disability Related to Vision. Esta escala inclui diversas actividades diárias, como sejam a leitura, usar um telefone, encontrar objectos, assim como a a avaliação da motilidade9.
A limitação da capacidade de conduzir limita a independência dos doentes com glaucoma e pode levar à depressão e isolamento social. O risco de acidentes é também superior. Atualmente podem ser usadas estratégias de avaliação da velocidade de processamento, atenção e deteção do contraste, através da execução de tarefas de condução simuladas10.
Recentemente foi descrita uma estratégia que usa a realidade virtual, de forma a avaliar as reações posturais a diferentes estimulos visuais, em doentes com glaucoma. A reactividade postural estava directamente associada com o risco de quedas, com uma predictabilidade superior à da perimetria computadorizada11.
Finalmente, não nos devemos esquecer que o objectivo fundamental do tratamento do glaucoma é a preservação da qualidade de vida do doente, devendo ser esta a nossa maior preocupação, pois é isso que realmente preocupa os nossos doentes.