Quando efectuar Iridotomia profilática no encerramento primário do ângulo?

Manuela Carvalho, MD

Grau de Consultor da Carreira Médica Hospitalar de Oftalmologia. Assistente Hospitalar no Hospital do SAMS, Lisboa.

 Introdução

A iridotomia laser periférica (IRL) está indicada para situações de evidência ou suspeita clínica de bloqueio pupilar (Fig. 1). Utiliza-se ainda na prevenção do encerramento agudo ou crónico do ângulo camerular1,2.

Fig. 1 UBM em obscuridade permitindo visualizar 
a posição irido-trabecular num caso de GEPA

Constitui o tratamento convencional de 1ª linha na hipertensão ocular ou glaucoma por encerramento primário do ângulo (PAC ou PACG) (Fig.2) tendo substituído a iridectomia cirúrgica nos finais dos anos 70s 3,4

Contudo recentemente os resultados do EAGLE study5 demonstraram uma maior eficácia e melhor qualidade de vida da cirurgia de extracção do cristalino transparente versus tratamento convencional (iridotomia seguida de terapêutica médica), nos indivíduos com 50 ou mais anos. Os autores concluem haver forte evidência para considerar este procedimento  como de 1ª linha nestas situações.

Fig. 2 Câmara anterior estreita, canal irido-lenticular não 
visível, iris convexas, antero-posiição do cristalino volumoso.

Historial

As primeiras tentativas de iridotomia com energia radiante em iris humanas remontam a 1956 quando Meyer-Schwickerath ensaiou o coagulador de Xenon para perfurar iris. A cicatrização frequente das iridotomias bem como as lesões corneanas e do cristalino impediram o seu uso alargado2. A introdução do laser de Árgon e posteriormente do Nd:YAG vieram a transformar a IRL num procedimento de rotina ambulatório.

Mecanismo de acção

A IRL reverte o bloqueio pupilar ao permitir o bypass do humor aquoso à pupila. Ao eliminar o gradiente de pressão entre as câmaras posterior e anterior, aplana a iris esperando-se que abra o ângulo, diminua a pressão intraocular (PIO) e evite ou trate uma crise aguda de encerramento do ângulo. Espera-se ainda que ao reverter o componente aposicional do encerramento do ângulo, evite formação ou progressão de sinéquias e evolução para a forma crónica de GEPA (glaucoma por encerramento primário do ângulo ou primary angle closure glaucoma-PACG (primary angle closure glaucoma na literatura anglo-saxónica) 1,3,4.

Indicações

Podemos pois considerar a perspectiva terapêutica e a profilática. A reversibilidade do bloqueio pupilar na crise aguda e nas formas crónicas com diminuição da PIO são objectivos terapêuticos da IRL.

O seu uso profilático pretende evitar as crises de encerramento agudo e a progressão para o glaucoma de ângulo fechado em olhos com predisposição anatómica ou fisiológica para tal. Assim recomenda-se o tratamento em:

-Olhos adelfos de casos com encerramento agudo do ângulo4,6.

-Olhos adelfos de casos com encerramento primário do ângulo (PAC) isto é, daqueles já com hipertensão ocular e/ou sinequias anteriores periféricas ou pigmentação acentuada do ângulo (primary angle closure, anglo-saxónico) se não forem pseudofáquicos1.

-Olhos adelfos de casos com glaucoma por encerramento primário do ângulo,(PACG anglo-saxónico) se não forem pseudofáquicos1.

-Discute-se actualmente a indicação do tratamento profilático em casos de suspeita de encerramento primário do ângulo, (primary angle closure suspects-PACs anglo-saxónico)( Fig 3). 

Fig. 3 Note-se iris convexa, aposição iridotrabecular
suspeita, sulco ciliar visível, cristalino globoso no caso.
 
 

Nestes casos estamos classicamente em presença de um ângulo dito passível de ocluir (estreito) no qual não se visualiza trabéculo posterior, normalmente pigmentado em pelo menos 3 quadrantes (270º), mas sem hipertensão ocular nem presença de sinéquias anteriores7.

Actualmente existe consenso na literatura8 em utilizar critério menos restritivo de classificação, no qual se considera a presença destas características em pelo menos 2 quadrantes/180º.                                                                                                                                     

Embora a abertura do ângulo pós iridotomia tenha sido verificada por Gonioscopia ou UBM (bio microscopia ultrassónica) em grande parte dos casos, 9,10,11 não existe ainda evidência científica para a recomendar de uma forma sistemática a todos os indivíduos. Efectivamente estudos populacionais (Wang  N, 2002) (Alsbirk PH, 1994) citados por Wang B. sugeriram que apenas uma pequena porção de indivíduos nesta situação progrediam para glaucoma por encerramento primário do ângulo12.

Estudo de 2012 13 aponta um baixo risco de subida da pressão intraocular com dilatação (1,27% com ≥8mmHg e 0.64% com crise aguda) nestes casos, em indivíduos de raça asiática, correlacionando-a com valores prévios de PIO mais elevados e ângulos mais estreitos ou fechados.

Por outro lado o procedimento pode não ser eficaz para a abertura do ângulo numa percentagem significativa de casos 20-60% dependendo do mecanismo de encerramento do ângulo, método de observação e eventuais factores étnicos10/14.

A recomendação de um tratamento profiláctico a uma população alargada requer forte evidência de que os benefícios ultrapassam os danos15.

Nesse sentido, em 2008 iniciou-se um estudo clínico prospectivo, controlado e randomizado na China, ZAP study ( Zongshan Angle Closure Prevention Trial) que pretende avaliar a eficácia e segurança do procedimento nos suspeitos de encerramento primário do ângulo (PACs)para evitar a evolução para PAC  ou crises agudas 16.

Nos resultados já publicados, na vertente segurança, os autores verificaram subida da PIO (≥ 8 mmHg ) 1 h após tratamento em 9.8% dos casos, em  0.82% às 2 semanas e em apenas 0.54% uma subida clinicamente significativa ( ≥ 30mmHg) com regularização às 2h após terapêutica  médica adicional. Correlacionaram estes efeitos com maior energia laser utilizada e menor profundidade de câmara anterior, concluindo tratar-se de um procedimento seguro 15.

O estudo aos 18 meses das complicações visuais 17 não detectou maior incidência de sintomatologia visual (deslumbramento, sombras, imagem fantasma, etc.) nem menor acuidade visual em relação ao grupo controlo. Conclui-se existir pouco risco nesta área embora esteja ainda em estudo o eventual efeito cataratogéneo. Neste âmbito o estudo longitudinal  de 6 anos numa população indiana verificou maior risco de progressão de catarata após IRL profiláctica nestes casos18.

Resultados do estudo 19 longitudinal (18 meses) das alterações da configuração do ângulo confirmam a eficácia da iridotomia no seu grau de abertura, verificado na gonioscopia bem como nos parâmetros quantitativos do AS-OCT (tomografia de coerência óptica do segmento anterior). Este efeito mantem-se estável até aos 6 meses e diminui progressivamente até aos 18 meses, mantendo-se contudo a menor convexidade da iris, que nos indica a eliminação do bloqueio pupilar. Esta tendência ao encerramento progressivo do ângulo é contudo inferior nos olhos tratados versus não tratados, podendo atribuir-se a um maior vault do cristalino.

 

Contraindicações

-Edema corneano

-Opacificações corneanas

-Câmara anterior muito baixa

-Encerramento secundário do ângulo (uveíte, membrana neovascular, síndrome Irido-endotelial) sem componente de bloqueio pupilar.

Técnica

Pode ser consultada na literatura⁸.

Localização

Recomenda-se de uma forma geral a sua localização na periferia da iris, na base de uma cripta entre as 11-13 h para evitar sintomatologia visual (Glare/diplopia). Evitar o arco senil facilita a focagem e a penetração do laser.

Argon vs Nd:YAG laser

A IRL de árgon que substituiu com eficácia a iridectomia cirúrgica necessita de melanina para a absorção tecidular de energia o que obriga a maiores potências necessárias nas iris mais claras.

O Nd:YAG laser veio substituir o árgon na execução da IRL nos anos 80. Efectivamente o seu efeito fotodisruptor permite uma quantidade de energia final inferior à do árgon, diminuindo os eventuais efeitos secundários na córnea, cristalino e retina1. Permite ainda uma maior taxa de patência a prazo.

Nos casos de iris espessas e escuras (Asiáticos, Africanos e alguns Caucasianos) recomenda-se um tratamento combinado ou sequencial iniciando com árgon para diminuição da espessura da iris e sua coagulação prévia e finalizando com Nd:YAG a sua penetração, para maior eficácia e menores complicações1,20.

 

Complicações⁷

-Perturbação visual

-Queimadura corneana ( com árgon)

-Hemorragia intra-operatória normalmente controlada com pressão na lente

-Subida transitória da PIO

-Opacificações localizadas do cristalino/progressão de catarata

-Inflamação pós-operatória

-Sinéquias posteriores

-Encerramento tardio

-Raras: lesões retinianas, edema macular cistoide, hipópion estéril, glaucoma maligno

4ª Edição - Maio 2017