Qual o papel da Iridoplastia Periférica com laser de Argon no encerramento primário do ângulo?

Manuela Carvalho, MD

Grau de Consultor da Carreira Médica Hospitalar de Oftalmologia. Assistente Hospitalar no Hospital do SAMS, Lisboa.

A iridoplastia periférica com laser de árgon (ALPI-argon laser peripheral  iridoplasty anglo-saxónico) é um tratamento que visa a abertura do encerramento aposicional do ângulo camerular nos casos em que a iridotomia laser (IRL) não é possível de efectuar ou não foi eficaz 1. Temos no 1º caso as situações de encerramento agudo do ângulo e no 2º aquelas em que predominam os mecanismos de bloqueio não pupilar 1,2,3 (Fig.1). O procedimento consiste na aplicação de disparos de contração na extrema periferia da iris para sua retracção e afastamento da malha trabecular 2

Fig. 1 Caso em que a aposição Irido-trabecular se manteve
após iridotomia laser, por mecanismos de bloqueio não pupilar.

Historial

A 1ª tentativa de uso de energia laser junto à periferia da iris foi realizada por Krasnov em 1977. A iridoplastia actual baseou-se no método descrito por Kimbroug em 1979 em que aplicava impactos/queimaduras de laser na periferia da iris em 360º, através de uma lente de gonioscopia e ao qual chamou gonioplastia. Os parâmetros laser utilizados na altura provocavam mais uma queimadura penetrante sendo pouco eficazes na contração da iris 3.

Indicações

 A iridoplastia periférica com Laser de Árgon deve ser considerada terapêutica adjuvante na doença do encerramento do ângulo não se substituindo à iridotomia laser que permanece como tratamento de 1º linha do bloqueio pupilar 4.

As indicações potenciais para iridoplastia implicam a identificação de determinados aspectos gonioscópicos e a familiarização e reconhecimento dos mecanismos ou causas anatómicas do encerramento do ângulo 3.

Encerramento agudo do ângulo

Se a inflamação, turvação da córnea e câmara anterior muito baixa ou aplanada impedem a execução de IRL, a iridoplastia demonstrou eficácia na reversibilidade do ataque ao abrir o ângulo nas áreas sem sinéquias anteriores periféricas (SAP). Permite assim o controlo da pressão intra-ocular (PIO) e melhoria clínica até à realização da IRL que eliminará o bloqueio pupilar 3.

Pode ser realizada quando a crise não respondeu à terapêutica médica ou como 1ª abordagem com ou sem instituição de terapêutica médica prévia tópica e/ou sistémica. Ensaio clínico randomizado de 2002, comparando a eficácia da iridoplastia de 1ª intenção (após terapêutica tópica) versus terapêutica sistémica revelou uma mais rápida diminuição da PIO no 1º caso com diferenças significativas aos 15, 30 e 60 minutos 5.

Predomínio de Bloqueio não pupilar

Se uma IRL patente ao eliminar o bloqueio pupilar não foi suficiente para abrir o ângulo e não existirem sinéquias anteriores periféricas extensas que o justifiquem, estamos na presença de um encerramento aposicional residual por mecanismos de bloqueio não pupilar. As causas que mais frequentemente têm sido descritas serão, por ordem anatómica:

Síndrome de Iris em Plateau

Gradle e Sugar em 1940 fazem a 1ª observação de uma câmara anterior central profunda em olhos com encerramento do ângulo 6. Tornquist em 1958 utiliza o termo pela 1ª vez ao descrever o aspecto da iris num caso de encerramento do ângulo também com câmara anterior central profunda 6/7. A configuração iris em plateau resulta assim de um alargamento ou antero posição do corpo ciliar que condiciona o empurramento da periferia da iris em direcção á malha trabecular, com congestionamento do ângulo e eventual contacto irido-trabecular 6. Clinicamente pode identificar-se pela presença de um ângulo passível de oclusão, iris plana e câmara anterior central profunda (Fig. 2). Na gonioscopia de indentação surge o sinal de dupla bossa. As características na Biomicroscopia Ultrassónica  (UBM) compreendem a rotação anterior do corpo ciliar, ausência de sulco ciliar, angulação da iris, iris central plana e contacto irido-angular acima do esporão escleral 8 (Figs.3,4,5) ( a persistência destes aspectos particulares, após realização de IRL definem o síndrome iris em plateau).     

A evidência da eficácia da ALPI nestes casos tem sido suportada por estudos retrospectivos de pequenas séries como o de Ritch 9  (14 olhos) em que também confirmou a resolução do encerramento do ângulo por UBM. A eficácia em 87% dos casos manteve-se aos 6 anos, embora com terapêutica associada de pilocarpina em metade dos olhos.

Ensaio clínico randomizado de 2016 10 em população asiática avaliando os resultados a prazo (12 meses) da iridoplastia no tratamento do encerramento aposicional residual, demonstrou a sua menor eficácia comparativa com monoterapia com análogo de prostaglandina.

Fig. 2 Iris plana e câmara anterior medianamente profunda
(2,36mm), ângulo passível de oclusão.
 

 

Fig. 3 Rotação anterior do corpo ciliar, sulco ciliar mal definido,
contacto irido-angular acima do esporão escleral.
 

Fig. 4 Antero-posição do corpo ciliar,
iris plana com inserção anterior.
 

Fig. 5 Aspecto característico de angulação da iris,
com superfície anterior plana, embora alguma convexidade da
face posterior, em ângulo passível de oclusão.
 

Pseudo-iris em plateau

A existência de quistos na face posterior da iris ou no corpo ciliar sobretudo se em área extensa pode simular uma configuração em plateau condicionando também um encerramento do ângulo (Fig. 6). Se pela sua extensão originarem aumento da PIO e/ou sinéquias anteriores poderemos ponderar tratamento. Estão descritos casos com boa resposta á ALPI 1.

Fig. 6 Aspecto particular de peudo-iris em plateau por quistos
do corpo ciliar condicionando encerramento do ângulo.

 

 

Obstrução ao nível do cristalino

A intumescência do cristalino ou o seu antero-posicionamento pode condicionar o encerramento secundário do ângulo (agudo ou crónico) pouco responsivo à IRL. Nestes casos a iridoplastia poderá ajudar a reverter o bloqueio 2,3. Contudo estes casos parecem responder melhor à extracção do cristalino 4. Recentemente o EAGLE study 12 veio comprovar a maior eficácia e melhor qualidade de vida da extracção do cristalino transparente comparativamente com tratamento clássico (iridotomia seguida de terapêutica médica e eventual iridoplastia adjuvante), nos indivíduos ≥ 50 anos com encerramento primário do ângulo (PAC) ou glaucoma por encerramento primário do ângulo (PACG).

Obstrução posterior ao cristalino

Bloqueio ciliar ou síndrome de inversão do humor aquoso, edema do corpo ciliar pós- fotocoagulação panretiniana, cirurgia de descolamento de retina, inflamação, esclerite posterior com empurramento e antero-posição do diafragma cilio-lenticular constituem situações de encerramento secundário do ângulo nas quais a iridoplastia pode ser eficaz após uma IRL pouco ou não eficaz  1.

 

Outras indicações:

- Alguns estudos 13 sugeriram que na evolução das formas crónicas do PACG, a iridoplastia poderá reverter o encerramento progressivo e aposicional do ângulo, reduzindo a necessidade de cirurgia. Contudo este efeito apresenta-se temporário e por vezes indistinto de outras terapêuticas. Em 2012, Azuara-Blanco et all 14 propõem-se estudo de metanálise sobre a eficácia da iridoplastia nas situações de encerramento crónico do ângulo. A pesquisa encontrou apenas um ensaio clínico randomizado, que não demonstrou superioridade da ALPI como adjuvante da iridotomia, com relação à PIO, nº de medicamentos e necessidade de cirurgia. Os autores concluíram não haver forte evidência para o uso da iridoplastia no encerramento crónico do ângulo.

- Como adjuvante da Trabeculoplastia laser nos casos de enceramento localizado do ângulo (quistos ou irregularidades da iris) em que o restante se encontra aberto 2.

- Encerramento do ângulo no nanoftalmos  após IRL pouco eficaz 3.

Contraindicações 15

Edema acentuado da córnea (um edema moderado não a contraindica como na IRL).

Opacificação extensa da córnea (por vezes 180º de tratamento é suficiente, podendo assim evitar-se zonas de opacificações localizadas) 1.

Câmara anterior muito baixa (perigo de queimadura endotelial).

Encerramento secundário por sinéquias, membrana neovascular, síndromes Irido-endoteliais.

Técnica

Pode ser consultada na literatura 15/3

Complicações

- Irite ligeira

- Queimadura corneana endotelial difusa

- Aumento transitório da PIO

- Cicatrizes pigmentadas

- Atrofia da iris (sobretudo se disparos confluentes) ⁴

- Dilatação permanente da iris

Em Conclusão:

Em finais dos anos 90 surge entusiasmo renovado sobre o papel da iridoplastia periférica nas situações de encerramento do ângulo pouco responsivas à IRL. Posteriormente o seu interesse tem decaído essencialmente por falta de eficácia a prazo nas situações crónicas, inerente a um insuficiente grau de abertura do ângulo ou presença de disfunção trabecular 10.

Poderá ser utilizada em casos pontuais e transitoriamente (crise aguda de encerramento, causas posteriores ao cristalino) enquanto se aguarda o tratamento definitivo dessas situações.

 

4ª Edição - Maio 2017