A tonometria de Goldmann é passado?

A Rodrigues Figueiredo, MD

Oftalmologista Consultor. Coordenador de Glaucoma da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

Podemos iniciar a nossa argumentação citando 2 fontes de indiscutível prestígio e consensual aceitação :

Os “ Guidelines” da Sociedade Europeia de Glaucoma, na sua 4ª e mais recente edição, Junho de 2014 : o instrumento de medição mais usado, e actual “gold-standard” , é o tonómetro de aplanação de Goldmann (TAG) , montado em lâmpada de fenda1.

Ou as “ Preferred Practice Patterns” da Academia Americana de Oftalmologia de 2010: A pressão intra-ocular (PIO) deve ser medida em ambos os olhos, preferencialmente por tonometria de aplanação de Goldmann2

Sabemos, claro, das incorreções da TAG, postas em claro destaque pelo O.H.T.S. em 2001, e da importância clinica que assumiu desde então o conhecimento da espessura corneana central 3: córneas finas dão valores TAG inferiores, córneas mais espessas sobrevalorizam a PIO real. Mas também a curvatura e a biomecânica (elasticidade) corneanas alteram os valores de PIO por TAG de forma significativa. Surgiram então duas importantes tecnologias de medição de PIO, com características de facto inovadoras:

A tonometria de contorno dinâmico (DCT): em teoria, independente da espessura corneana e introduzindo um dado aliciante, a avaliação da amplitude de pulso ocular, primeiro dado de algum modo relacionado com a perfusão ocular acessível a medição de rotina;

O analizador de resposta ocular (ORA), primeiro dispositivo fornecendo dados sobre a biomecânica corneana (histeresis).

A realidade é que não usamos por rotina estes dispositivos na prática clinica diária. Porquê?

- O preço

- A histeresis e em particular a OPA não se tornaram clinicamente relevantes

- São avaliações mais demoradas e requerem maior colaboração dos doentes.

Sejam quais forem os motivos, o facto é que estes métodos (bem como outros que entretanto surgiram), não ocuparam o vazio relativo deixado pela menor confiança na TAG. A realidade é que este facto resultou numa generalização da utilização da tonometria de não-contacto (TNC), ou tonómetros “de sopro" .

Em nossa opinião, isto não significa um avanço: a TNC é mais prática por mais fácil de executar, mas menos precisa (maior variabilidade intra-teste e inter-teste)4.  Alguns estudos sugerem que a espessura corneana poderá influenciar mais a tonometria de sopro que a TAG, sobretudo para valores mais altos de espessura central5.

Então e se a TAG está ultrapassada…qual é o futuro? Como vamos responder aos desafios lançados a este nível por modificadores corneanos como o Lasik, os anéis corneanos ou o “crosslinking’?

Bom, deixemos por momentos a árvore e olhemos a floresta.

Estamos talvez preocupados em excesso com a margem de erro da nossa medição de PIO. Feita por norma, reduzidas vezes ao ano em cada doente (semestral? trimestral ?). Poderá até ser frequente em caso de necessidade – mas sempre durante as horas de consulta, nunca à noite, frequentemente sem atenção aos picos terapêuticos.

Ao contrário de outros biomarcadores em doença crónica (Hemoglobina glicosilada na diabetes, estudo ambulatório de 24h na hipertensão arterial) a nossa avaliação de PIO continua demasiado aleatória. Precisamos, isso sim, de obter perfis tensionais: PIO média, picos tensionais, flutuação, comportamento nocturno.

E então…a TAG poderá será de facto passado.

 

4ª Edição - Maio 2017