A injeção intravítrea ou a aplicação de dispositivos intravítreos de esteróides pode provocar hipertensão ocular e/ou glaucoma?

Angela Carneiro, MD, PhD

Serviço de Oftalmologia do Hospital de São João Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

O uso de esteróides está desde há muito associado na literatura ao desenvolvimento de hipertensão ocular (HTO)1,2. O mecanismo pelo qual os  esteróides provocam elevação tensional mais vezes apontado é a redução da drenagem do humor aquoso, quer a nível trabecular quer a nível uveoescleral, existindo múltiplas teorias explicativas que vão desde a diminuição da actividade fagocítica das células endoteliais do trabéculo até à inibição da degradação da matriz extracellular, etc3,4.

Existem de momento vários tipos de corticóides em aplicação intraocular: por um lado temos a triamcinolona e a dexametasona em uso off-label e por outro lado os dispositivos de libertação lenta de dexametasona e fluocinolona (Ozurdex®, Iluvien®e Retisert®).

É importante salientar que nos usos off-label há um registo caracteristicamente irregular e aleatório de efeitos adversos reportados, pelo que as taxas de HTO ou glaucoma descritas na literatura estarão provavelmente subavaliados.

No caso da triamcinolona, em que existem múltiplas formulações disponíveis e em que a dose usada em aplicação intravítrea é muito variável, as séries de casos existentes na literatura apontam para taxas altamente variáveis (entre 28-83%) de ocorrência de HTO nos doentes tratados. A elevação tensional pode ocorrer logo na primeira semana após a aplicação do fármaco e pode manter-se até cerca das 60 semanas. Caracteristicamente é dose-dependente e foram identificados como factores de risco a presença de HTO pré-tratamento, a idade jovem, o sexo masculino e a existência de uveítes prévias. Em cerca de 0,01-5% dos casos é necessário recorrer a cirurgia de glaucoma para controlar a HTO5,6,7.

No caso do uso off-label da dexametasona em injeção intravitrea os relatos existentes na literatura são escassos e não permitem ter uma ideia definida de taxas de ocorrência de HTO ou glaucoma. É importante salientar que a duração de ação do fármaco é muito pequena, pelo que o seu uso na prática clínica continua muito limitado.

Os dispositivos de libertação lenta apresentam estudos multicêntricos randomizados cujos resultados publicados na literatura fornecem informação sobre as taxas de ocorrência de HTO e de necessidade de cirurgia para tratamento das elevações tensionais.

O Ozurdex®, dispositivo de libertação lenta de 0,7 mg de dexametasona num polímero de Novadur®, aplicado por injecção intravítrea e biodegradável, foi aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) e pela European Medicines Agency (EMA) para tratamento do edema macular associado a oclusão venosa retiniana, do edema macular diabético ou de uveítes posteriores crónicas não infecciosas. Os resultados aos 12 meses em doentes com edema macular secundário a oclusão venosa retiniana mostram uma taxa de aumento de pressão intraocular (PIO) ³ 10 mmHg relativamente à baseline em 12,6% dos olhos 60 dias após a aplicação do primeiro implante e em 15,4% dos olhos 60 dias após aplicação do segundo implante. No geral, 32,8% dos olhos submetidos a segundo implante tiveram o aumento em alguma ocasião durante os 12 meses do estudo. Na maioria dos casos o aumento tensional respondeu à medicação tópica e desapareceu aos 180 dias após implantação do Ozurdex®. Apenas em 14 dos 756 olhos implantados houve necessidade de recorrer a laser ou cirurgia para controlar a elevação tensional8. Os resultados aos 3 anos da aplicação do implante de 0,7mg de dexametasona no tratamento do edema macular diabético no estudo MEAD, mostram taxas de aumento da PIO = 10 mmHg relativamente à baseline de 27,7%, com necessidade de uso de medicação anti-hipertensora em 41,5% dos doentes. Contudo, apenas 1 doente (0,3%) requereu cirurgia filtrante e os implantes sequenciais não apresentaram efeito cumulativo na PIO 9.

O Retisert® dispositivo para libertação lenta de 0,59 mg de fluocinolona, não biodegradável, implantado cirurgicamente e aprovado pela FDA para tratamento de uveítes posteriores crónicas não infecciosas, apresenta resultados aos 4 anos num grupo de doentes com edema macular diabético. Um aumento da pressão intraocular (PIO) para valores ³ 30 mmHg foi detetado em 61,4% dos olhos em alguma altura durante os 4 anos de seguimento e 33,8% dos doentes necessitaram cirurgia filtrante ou laser para controlo tensional10.

O Iluvien® é um dispositivo de libertação lenta de 190 mg de fluocinolona, aplicado por injecção intravítrea, não biodegradável e aprovado em alguns países, entre os quais Portugal, para o tratamento do edema macular diabético crónico. Os resultados dos estudos FAME 1 e 2, em que foram utilizados implantes com libertação diária de 0,2 ou 0,5 mg de fluocinolona, mostraram HTO em 37,1% dos doentes com implante de baixa dose e em 45,5% dos doentes com implante de alta dose. Houve necessidade de trabeculoplastia laser ou cirurgia filtrante em 1,3% ou 4,8% dos doentes com implante de baixa dose, respectivamente e em 2,5% ou 8,1% dos doentes com implante de alta dose, respectivamente11,12.

Séries de casos publicadas na literatura apontam para taxas mais baixas de desenvolvimento de HTO na aplicação dos diferentes dispositivos na prática clínica 13,14.

A aplicação intravítrea de esteróides tem assim taxas variáveis de ocorrência de HTO, que variam de fármaco para fármaco, havendo variabilidade entre diferentes apresentações do mesmo fármaco e em grupos de indivíduos de risco. Contudo, dada a elevada percentagem de doentes com elevação tensional, a sua aplicação deve ser evitada nos grupos de risco e a monitorização cuidadosa da pressão intraocular desde a primeira semana após a sua aplicação não deve ser descurada em nenhum destes doentes. 

 

 

4ª Edição - Maio 2017