Uso do implante de matrix de colagénio biodegradável (Ologen) na trabeculectomia – técnica cirúrgica e casos clínicos

Maria da Luz Freitas, MD, FEBOS Glaucoma

Grau de Consultor da Carreira Médica Hospitalar de Oftalmologia. Hospital da Arrábida, Porto.

Introdução

Como foi descrito pela autora em texto publicado nesta plataforma (Qual é o interesse do implante de matrix de colagénio biodegradável (Ologen®)  na trabeculectomia?), o implante parece ser uma alternativa segura e eficaz à utilização de anti-metabolitos na trabeculectomia ab externo. A eficácia parece ser no mínimo sobreponível ao uso de MMC, com vantagem de ser removido em caso de hipotonia. As ampolas de filtração são planas, vascularizadas sem risco acrescido de hipotonia, infecção ou “bleb leak”.

O que é o implante de matrix de colagénio biodegradável?

O Ologen® é matrix de colagénio biodegradável, de origem animal, flexível, cuja estrutura matricial porosa (0 – 300 μm) é obtida por cross-linked liofilizado de atelocolagénio tipo I (>90%) e glicosaminoglicanos (<10%). Devido à sua boa tolerância imunológica começou a ser utilizada como um conformador ou criador de espaço na cirurgia filtrante em substituição ou em conjugação com anti-metabolitos em baixas doses. É um implante absorvente, que não provoca aumento de volume ou pressão sobre as estruturas envolventes mas optimiza e estabiliza a área lesada de forma a modelar os processos cicatriciais conectivos e epiteliais. Estão descritos como mecanismos de acção a capacidade de manter uma barreira entre a ampola de filtração e tecido subconjuntival, evitando a migração celular e formação de fibroblastos através da sua formação porosa; a capacidade de absorver o humor aquoso e evitar a contração de tecidos. Tem como contra-indicação história de hipersensibilidade ao colagénio porcino e, à semelhança dos anti-metabolitos, não há estudos de segurança realizados em crianças ou grávidas. São possíveis vantagens em relação ao uso de anti-metabolitos a obtenção de ampolas de filtração planas, sem risco acrescido de hipotonia, infecção ou “bleb leak”. Se houver sinal de alergia ou a existência de maculopatia hipotónica pode ser retirado.  Parece também reduzir a necessidade de realização de “needling” ou injecções de anti-metabolitos no pós-operatório.
Existem vários modelos, mas os mais utilizados na trabeculectomia ab externo são os 6 mm de diâmetro por 2 mm de espessura e os de 12 mm de diâmetro por 1 mm de espessura. Podem ser utilizados na totalidade ou de forma seccionadas (Fig. 1) conforme as situações clínicas.

Fig. 1- a. implante 6mmx2mm; b. implante 12mmx1mm; c. sector de implante

Indicações do implante matrix de colagénio biodegradável

As indicações de utilização do implante Ologen®  de forma isolada ou em conjugação com MMC em baixas doses na trabeculectomia ab externo são as mesmas indicações para o uso de anti-metabolitos: falência de cirurgias filtrantes prévias, glaucomas congénitos ou juvenis, glaucomas primários em adultos jovens, raça negra, glaucomas secundários (uveíticos, neovasculares), conjuntivas fibrosadas por uso crónico de colírios, cirurgia oculares prévias.

Técnica cirúrgica e resolução de complicações

Os promotores aconselham como única alteração à técnica de trabeculectomia tradicional ou pessoal a abertura da conjuntiva a 3mm do limbo e sutura da conjuntiva contínua (Figs.2, 3). Contudo em jeito de comentário, penso que não é aconselhável a realização de suturas esclerais apertadas devido à impossibilidade de realização de lise de suturas no pós-operatório imediato.

Fig. 2 - abertura a 3mm do limbo e sutura contínua

Fig. 3 - abertura a 3mm do limbo e sutura contínua

O vídeo 1 mostra a técnica que habitualmente protagonizo:  abertura da conjuntiva a 3mm do limbo; boa dissecção conjuntival; tenectomia; realização da trabeculectomia ab externo de Cairns, com encerramento do retalho escleral com dois pontos laços; injecção de viscoelástico coesivo sob o retalho escleral; colocação do Ologen® subconjuntival e encerramento da conjuntiva com sutura contínua com Vycril 8/00.

O aspecto das ampolas de filtração é plano, sem formação de encapsulamentos (Fig.4). 

Fig. 4 – ampolas de filtração nos primeiros meses e após absorção do implante

Um dos efeitos laterais é a possibilidade de hipersensibilidade ou alterações de superfície ocular nas primeiras semanas. As alterações da superfície ocular devem-se a alterações da regularidade do filme lacrimal devido à presença da ampola de filtração e, a aplicação de lubrificantes resolve de forma geral o desconforto causado. Em caso de hipersensibilidade ou maculopatia hipotónica deve-se proceder à remoção do implante. A remoção do implante deve ser cuidadosa de forma que o implante seja retirado na totalidade. O vídeo 2, mostra a remoção de um implante ao fim de 15 dias da cirurgia, por maculopatia hipotónica. 

Casos clínicos

Caso clínico 1

Sexo masculino, 61 anos com antecedentes de megalocórnea, alta miopia e diagnóstico de glaucoma em adulto jovem. Foi pela primeira vez submetido a cirurgia filtrante do olho direito aos 31 anos (1987) e ao olho esquerdo aos 34 anos (1990). Foi realizada cirurgia de catarata em meados dos anos 90. A lente do olho direito foi substituída um ano mais tarde por luxação e quadro hipertensivo. Antes da segunda trabeculectomia em 2001, realizou duas trabeculoplastias. Em 2004 a lente do olho direito foi substituída mais uma vez por uma lente de suspensão à íris e em 2007 fez um descolamento inferior, tendo sido submetido a vitrectomia via pars plana. Em relação ao olho esquerdo foi realizada uma segunda e terceira trabeculectomia em 2001 e 2007. Em julho de 2009 foi realizada ao olho direito a terceira trabeculectomia, desta feita com MMC e em novembro de 2010 a quarta trabeculectomia ao olho esquerdo, utilizando o implante de Ologen®. Desde então e com um recuo de pelo menos de 7 anos, tem apresentado estabilidade tensional (olho direito: 14mmHg com maleato de timolol e olho esquerdo 10mmHg sem terapêutica) e estabilidade perimétrica (quadro 1 e fig.5).

 

OD: megalocórnea, miopia

OE: megalocórnea, miopia

1987     1ª  trabeculectomia

1990      1ª  trabeculectomia

1996       Catarata  LIO +12.00 (Alcon)

1995      Catarata  LIO +14.00 (Storz)

1997       LIO luxada e HTO/ subst.  LIO (Storz)

 

1997       1ª Trabeculoplastia

 

2000       2ª Trabeculoplastia

 

2001      2ª  trabeculectomia

2001     2ª  trabeculectomia

2004      hipotonia/ subst. Artisan afaquia

 

2007      DR inferior, vitrectomia

2007     3ª  trabeculectomia

Jul/2009   Trabeculectomia + Mit. C (PIO :35mmHg)

Nov/2010 Trabeculectomia+Ologen (PIO :34mmHg)

Set/2014        4/10   PIO: 14mmHg com timolol

Set/2015  10/10 PIO: 10 mmHg sem med.

Junho/2017   4/10   PIO: 14mmHg com timolol

Junho/2017  10/10 PIO: 10 mmHg sem med.

Tabela 1- dados demográficos do caso clínico 1

Fig.5– perimetria estática computorizada junho 2017

Caso clínico 2

Sexo feminino, 38 anos com antecedentes de catarata congénita bilateral, operada aos 3 meses de idade. Microftalmia, nistagmo e afaquia bilateral. Olho direito submetido a trabeculectomia com encravamento da íris aos 10 anos de idade. Estabilidade tensional e perimétrica até junho de 2017 sem medicação e com acuidade visual corrigida de 6/10. Olho esquerdo submetida a  duas trabeculectomias com encravamento de íris em 1989 e 1991, respectivamente. Realiza terceira trabeculectomia pelo Prof. Roger Hitchings tendo utilizado 5-FU. Em 2011 a pressão intraocular subiu para 31mmHg com terapêutica máxima, tendo sido realizado trabeculectomia com implante de Ologen® (vídeo 3). Em 2016/17 engravidou. Em junho de 2017apresenta uma pressão intraocular de 18mmHg com medicação tripla e acuidade visual corrigida de 2/10.

Caso clínico 3

Sexo feminino, 48 anos, olho único, alta míope. Antecedentes de lente fáquica em 1997, 2/10 de acuidade visual corrigida. Em fevereiro de 2015 apresentava lente de câmara anterior descentrada, endotélio corneano em falência, sinequias periféricas anteriores e pressão intraolcular com medicação quadrupla de 28 mmHg, incluído acetazolamida oral. Foi realizada cirurgia combinada: remoção de lente de câmara anterior, cirurgia de catarata por facoemulsificação e introdução de lente de camara posterior e trabeculectomia com Ologen® (Fig.6). Passado um ano a ampola de filtração entrou em falência, tendo sido reoperada de trabeculectomia com Ologen® em junho de 2016. Ao fim de um ano apresentava acuidade visual corrigida de 4/10 e pressão intraocular de 13mmHg sem medicação. 

Fig.6 – cirurgia combinada, remoção de lente, cirurgia de catarata com lente de câmara posterior e trabeculectomia com implante de Ologen®

Publicações

Devido à falta de estudos randomizados ou não randomizados ou “case – control study” com populações similares em termos de idade, tipo de glaucoma, gravidade, tipo e tempo de utilização de colírios; mesma execução das técnicas cirúrgicas; mesmos cirurgiões; mesmos tempos de follow-up e mesmos critérios e métodos de avaliação leva à dificuldade de realização de meta-análises consistentes e avaliações comparativas neste campo cirúrgico. À semelhança do que já foi descrito nos efeitos laterais do uso de anti-metabolitos, encontramos discrepância de resultados nos estudos e análises comparativas dos doentes operados com Ologen® versus anti-metabolitos ou trabeculectomia simples em relação à eficácia e segurança.

Apesar desta realidade não posso deixar de referir e comentar algumas publicações. Cilino et al1 publicaram em 2016 um estudo comparativo, randomizado, com follow-up de 5 anos de 40 olhos submetidos a trabeculectomia com Ologen® ou MMC. Ao fim dos 5 anos o grupo de Ologen mostrou igual eficácia e com segurança não inferior ou até mesmo superior.  A concentração de MMC utilizada foi de 0,2mg/ml durante 2 minutos e implante de colagénio 6x2mm. No pós-operatório foi utilizado dexametasona 0,1% durante dois meses. Foram incluídos no estudo glaucomas primários de ângulo aberto e pseudoesfoliativos, tendo sido excluídos olhos com cirurgias prévias ou história de traumatismos.

Num outro estudo2, prospectivo e randomizado, com follow-up também de 5 anos, foi colocado implante Ologen® (7mmx4mm) em 31 olhos e utilizada a MMC (0,2mg/ml durante 2 minutos) em 32 olhos. No pós-operatório foi utilizado dexametasona 0,1% durante 6 semanas. Neste estudo o Ologen® mostrou uma taxa de sucesso completo e qualificado superior ao da MMC, assim como extensão e vascularização das ampolas diferentes nos dois grupos. As complicações pós-operatórias nos dois grupos de estudos não diferiram.

O estudo realizado no Centro Oftalmológico de Zhongshan3, concluíram que o implante Ologen® e MMC na trabeculectomia têm a mesma eficácia quanto à redução da pressão intraocular, redução de número de fármacos, taxas de sucesso e tolerância. Contudo aconselham precaução na interpretação dos resultados devido à relevância clínica ser ainda limitada.

Em 2015 Q Ji e colaboradores compararam a eficácia e segurança do implante Ologen® com o uso de MMC. Refere igual taxa de sucesso a longo prazo com o implante, mas não parece haver vantagem em evitar as complicações relacionadas com a MMC4.

 

 

4ª Edição - Janeiro 2018