A síndrome Pseudoesfoliativa é uma doença ocular ou sistémica?

Maria da Luz Freitas, MD, FEBOS Glaucoma

Grau de Consultor da Carreira Médica Hospitalar de Oftalmologia. Hospital da Arrábida, Porto.

A Síndrome Pseudoesfoliativa (PEX) é uma doença relacionada com a idade, da matrix extracelular que está frequentemente associada a glaucoma secundário de ângulo aberto e a catarata. Segundo R. Rich et al, a síndrome PEX pode afectar em todo o Mundo mais de 30% das pessoas com idade superior a 60 anos. O diagnóstico é feito por observação ao biomicroscópio de depósitos fibrilares anormais nas estruturas oculares do segmento anterior banhadas pelo humor aquoso1. Hipertensão ocular associada ou não a glaucoma foi descrita em cerca de um quarto dos olhos com PEX, cerca de 6 a 10 vezes mais do que nos olhos normais2.

Apesar da síndrome PEX estar associada a glaucoma de ângulo aberto e alterações típicas da cápsula anterior do cristalino descritas há mais de 90 anos, é uma entidade própria, com vários mecanismos patogénicos de hipertensão ocular e de glaucoma, por isso tendo um comportamento distinto do glaucoma primário de ângulo aberto. Foi a identificação de agregados de material pseudoesfolialtivo, através de microscopia electrónica, no coração, pulmão, fígado, rim, bexiga e meninges em dois doentes autopsiados com pseudoesfoliação3,4, e a confirmação em mais quatro doentes, através de métodos imunohistoquímicos usando marcadores específicos para material pseudoesfoliativo5, que foi colocada a hipótese de a síndrome pseudoesfoliativa não ser confinada ao olho mas ser uma síndrome com atingimento sistémico. De facto a identificação de material pseudoesfoliativo no tecido conectivo de órgãos viscerais, nos vasos sanguíneos periféricos e a suspeita da sua origem nos fibroblastos do tecido conectivo, células do músculo liso e estriado assim como o músculo cardíaco, levou à procura de associações entre a síndrome ocular com doenças sistémicas e ao estudo de comorbilidades. Apesar de serem estudos de pequena escala, começaram a surgir relações clínicas entre a síndrome PEX e doenças cardiovasculares e cerebrovasculares. Há a referir associações entre acidentes isquémicos transitórios6, angor pectoris, hipertensão arterial, enfartes miocárdio7, disfunção miocárdio8, aneurismas da aorta abdominal9, doença de Alzheimer10 e surdez neurossonsorial11. Outro estudo12 mostrou que havia um aumento de frequência de doenças cerebrais crónicas (demência e isquemia cerebral) e acontecimentos cerebrovasculares agudos (trombose, embolias e hemorragias) no grupo de doentes com glaucoma PEX comparando com o grupo de doentes com GPAA, embora sem aumento de mortalidade.

O conceito patogénico actual descreve a síndrome pseudoesfoliativa como uma microfibrilopatia elástica que envolve factores patogénicos chave como a transformação do factor de crescimento ß1, stress oxidativo e alteração dos mecanismos protectores celulares. Este novo conceito leva mais além as possíveis alterações encontradas relacionadas com esta síndrome. O facto de os doentes com PEX apresentarem níveis ligeiros ou moderados de hiperhomocisteinemia sugere que seja uma causa do aumento do risco vascular, já que é conhecido o papel patofisiológico da homocisteina na alteração do metabolismo da matriz extracelular através da desregulação das metaloproteinases (MMPs) e seus inibidores tecidulares (TIMPs), disfunção endotelial, stress oxidativo, apoptosis neuronal e elastinólise.

Com base nestes estudos e achados, será que a detecção da Síndrome PEX por parte do Oftalmologista pode ser tida como um marcador de risco para doença cardiovascular e/ou cerebrovascular? Será que é imperativo ou prematuro alarmar os doentes para estes factos ou implementar terapêuticas que diminuam os níveis plasmáticos de homocisteina com suplementos de vitaminas B6 , B12 ou ácido fólico?

Apesar destas evidências, em minha opinião ainda faltam estudos que caracterizem melhor as manifestações clínicas oculares e sistémicas da síndrome PEX assim como as suas características epidemiológicas, genéticas e patogénicas.

 

 

Dezembro 2012