Será que a injeção intravítrea de fármacos anti-VEGF pode provocar hipertensão ocular e/ou glaucoma?

Angela Carneiro, MD, PhD

Serviço de Oftalmologia do Hospital de São João Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

O número de injeções intraoculares de fármacos anti-VEGF está a apresentar na prática clínica um crescimento sem precedentes. Desde a aprovação pela Food and Drug Administration (FDA), em Dezembro de 2004, do pegaptanib sódico para o tratamento da Degenerescência Macular da Idade (DMI) neovascular, que se tem assistido ao aumento progressivo do número de fármacos em aplicação intravítrea e ao aumento das situações patológicas com indicação para a sua aplicação.

Desde a fase inicial de aplicação de fármacos na cavidade vítrea que são conhecidas as repercussões imediatas da injeção no aumento dos valores da pressão intraocular (PIO), directamente relacionados com o volume injetado, mas de efeito geralmente transitório. Relativamente aos fármacos anti-VEGF, geralmente injectados num volume de 50 ml, os valores tensionais registados logo após a aplicação podem ser surpreendentemente altos1,2,3. As elevações tensionais parecem ser mais acentuadas em doentes fáquicos mas com normalização dos valores 15-30 minutos após a injeção, sem necessidade de paracentese ou medicação anti-hipertensora. Contudo, em doentes com glaucoma, o tempo necessário para normalização dos valores tensionais parece ser mais elevado.

No serviço de oftalmologia do Hospital de São João (HSJ), realizamos um estudo em 291 olhos de 291 doentes submetidos a tratamento com 1,25 mg de bevacizumab para diferentes patologias (DMI exsudativa, neovascularização coroideia de outras causas e edema macular), com medições da pressão intraocular em posição sentada, imediatamente antes e logo após a injecção intravítrea, com o tonómetro Icare®. Foi encontrado um pico de elevação tensional em 32% dos doentes, com um aumento médio dos valores tensionais de 24,1 mmHg. Este aumento foi maior nos olhos sem refluxo do fármaco após a injeção, mas não se encontraram diferenças estatisticamente significativas relacionadas com a existência de glaucoma prévio ou com o estado fáquico dos doentes.

Apesar dos aumentos tensionais serem transitórios e não necessitarem medicação, continua desconhecido até que ponto um pico tensional súbito desta magnitude pode ter consequências deletérias, sobretudo em doentes com glaucoma ou outras neuropatias ópticas prévias. Alguns autores defendem que o uso profilático de aproclonidina a 1% ou da associação de timolol com brimonidina ou dorzolamida pode reduzir os picos tensionais e a sua duração4.

Por outro lado, o aumento sustentado da pressão intraocular com a aplicação repetida de fármacos anti-VEGF na cavidade vítrea, está descrita na literatura5,6,7. Ocorre em cerca de 3-7% dos olhos submetidos a injecções repetidas7,8. Um estudo retrospectivo realizado no serviço de oftalmologia do HSJ em doentes com degenerescência macular da idade neovascular unilateral submetidos a mais de 20 injeções intravitreas evidenciou variação da PIO significativamente maior durante o follow-up, relativamente aos olhos contralaterais não tratados. Verificou-se ainda tendência para maior necessidade de tratamento médico para controlo tensional neste grupo de doentes, relativamente aos doentes submetidos a menos de 20 injeções9. O modo pelo qual a terapia anti-VEGF intravítrea provoca um aumento sustentado da PIO permanece desconhecido, mas vários potenciais mecanismos foram já apontados: efeito directo lesivo dos fármacos nas vias de drenagem do humor aquoso, lesão das vias de drenagem pelos picos repetidos após cada injecção, trabeculite, obstrução mecânica das vias de drenagem por agregados proteicos de alto peso molecular presentes nos fármacos pré-preparados, por proteínas de alto peso molecular provenientes do vítreo devido às múltiplas punções da hialóideia ou obstrução mecânica por gotículas de silicone provenientes das seringas7. Parece existir um maior risco de elevação sustentada da PIO em doentes submetidos a grande número de injecções repetidas (³ 29), sendo cerca de 13% a frequência de elevação tensional sustentada neste grupo de doentes6,7,8.

Vários mecanismos profiláticos e de vigilância dos doentes têm sido sugeridos de modo a detetar e tratar precocemente a hipertensão intraocular minimizando as possíveis repercussões no nervo óptico. Foi assim aconselhada a monitorização dos valores tensionais antes do tratamento e nas consultas de seguimento, sendo mesmo desejável em doentes de risco a realização de OCT de glaucoma simultaneamente com o OCT da retina. É também sugerido o tratamento precoce de elevações tensionais significativas, evitar aumento de volume injetado para diminuir picos tensionais e em doentes de risco diminuir ligeiramente o volume injetado. Finalmente, é sugerido reduzir o número total de injeções usando, quando clinicamente possível, regimes de tratamento de acordo com a necessidade. 

4ª Edição - Maio 2017