Podemos utilizar anti-metabolitos na idade pediátrica?

Fernando Trancoso Vaz, MD

Assistente Hospitalar Graduado de Oftalmologia, Coordenador da Consulta de Glaucoma do Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, E.P.E.
Co-Autores: 
Susana Henriques, Ana Sofia Lopes, Diana Silva, Mafalda Mota, Maria Lisboa
Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, E.P.E.

A cirurgia de ângulo (trabeculotomia ou goniotomia) oferece a melhor opção cirúrgica inicial para a maioria dos glaucomas congénitos, com uma taxa de sucesso de 75 a 90%1 2. Quando esta abordagem inicial falha pode-se optar por cirurgia filtrante/trabeculectomia, dispositivos de drenagem de glaucoma (DDG) ou ciclodestruição.

A trabeculectomia na criança é particularmente desafiante dada a exuberante resposta cicatricial típica destas idades, com falência da bolha e piores resultados em comparação com o adulto3. A utilização de antimetabolitos como adjuvantes na cirurgia de glaucoma é importante na modulação do processo natural de cicatrização, minimizando assim o risco de falência da drenagem induzida cirurgicamente. De todos os agentes, a mitomicina C (MMC) é o mais utilizado na criança4. A dose de MMC deve ter em conta os fatores de risco para falência cirúrgica5. Tem que se avaliar bem os benefícios vs. riscos6, como o risco a longo prazo de desenvolver infeções relacionadas com a bolha.

Apesar das suas vantagens, os antimetabolitos estão também associados a um aumento do número de complicações, quer precoces, relacionadas com hipotonia (colapso da câmara anterior, maculopatia hipotónica, descolamento da coroide, hemorragia supracoroideia) quer tardias, relacionadas com a bolha (leakage e infeções). A trabeculectomia Moorfields Safer Surgery (MSS)7 introduz algumas modificações à técnica convencional, nomeadamente incisão conjuntival base fórnix, suturas ajustáveis/removíveis e aplicação de antimetabolitos numa área mais extensa, permitindo uma bolha mais difusa. Deste modo consegue-se uma maior segurança no procedimento, diminuindo o potencial de complicações8 9. Num estudo10 feito em crianças com menos de 2 anos, a trabeculectomia MSS com aplicação de MMC teve taxas de sucesso de 78% ao fim de 1 ano e 60% aos 7 anos, verificando-se assim bom sucesso a longo prazo, com baixas taxas de complicações.

Para além do uso de MMC durante a cirurgia, injeções subconjuntivais de bevacizumab11 ou a excisão da cápsula de Tenon12 que nas crianças é mais espessa (potencialmente mais fibrose associado aos seus fibroblastos), podem também aumentar o sucesso da cirurgia, diminuir o encapsulamento da bolha de filtração, com melhor controlo da PIO e redução da necessidade de fármacos hipotensores no pós-operatório.

Conclui-se assim que a trabeculectomia modificada (MSS)5 10 13, com incisão conjuntival base fórnix, suturas ajustáveis/removíveis e aplicação de antimetabolitos numa área mais extensa, pode ser um método eficaz e bem tolerado para tratamento cirúrgico do glaucoma na criança.

 

 

4ª Edição - Junho 2017