Como avaliar uma hemorragia do disco no glaucoma?

Maria Leonor da Costa Duarte Almeida, MD PhD

Maria Leonor da Costa Duarte de Almeida, MD PhD Hospital dos Lusíadas - Clínica de Santo António. Doutorada em Bioética. Professora Auxiliar convidada em Oftalmologia no Hospital de Santa Maria até Maio/Jun de 2017

As hemorragias em fuso no disco óptico, descritas por Bjerrum vieram a correlacionar-se com o glaucoma com Drance, sendo por isso denominadas hemorragias de Drance1Chumbley e Brubaker 2.atribuíram-lhe o significado de marcador, na degradação progressiva dos campos visuais.

Como se apresenta então a Hemorragia do Disco (HD)?

A Hemorragia do Disco (H.D), precede ou vem acompanhada de defeito localizado da CFNR - sinal de Hoyt, antecipando o aparecimento de defeito em cunha (notch) no anel neuroretiniano e consequente alteração do campo visual. É um fator de risco preditivo de neuropatia óptica glaucomatosa e/perda de campo visual3 e claramente associado à progressão do campo visual4,5.6

Em que localização do disco surge a hemorragia no glaucoma?

Surge no interior da camada de fibras nervosas retinianas, no anel neuroretiniano, apresentando-se como áreas de hemorragia linear, contíguas mas nem sempre com o bordo do disco ou adjacentes a uma área de notching do anel neuroretiniano ou defeito da camada de fibras nervosas (Fig. 1).

Quando a nível da escavação, podem ter uma aparência mais difusa. Frequentemente ocorrem numa região de atrofia parapapilar7.

Fig. 1 Notch inferior e hemorragia temporal inferior

É habitual o seu aparecimento em glaucomas evoluídos?

O aparecimento de hemorragia ou recorrência da mesma é comum no local onde o tecido do anel está patente, sendo excecional em lesões severas do anel7.

A H.D. pode ocorrer noutras quadros que não o glaucoma primário de ângulo aberto?

Embora a presença de hemorragia surja em 30% dos glaucomas,2 pode ocorrer noutras situações como num descolamento posterior do vítreo, onde os campos visuais se apresentam normais (Fig. 2), na trombose venosa ou diabetes entre outras8.

Qual a importância do registo fotográfico, na Hemorragia do disco do doente com glaucoma?

A deteção da H.D. aumenta com a frequência da documentação fotográfica e tempo utilizado na observação do disco. De acordo com o OHTS3, o registo fotográfico do disco é seis vezes superior na deteção das HDs, face ao exame clínico. Os OHTS3 (Ocular Hypertension Treatment Study) e EMGT (Early Manifest Glaucoma Trial)9, relatam respectivamente a existência de 128 e 140 H.D., nessa documentação.

Fig. 2 Hemorragia temporal superior com campo visual normal – descolamento posterior do vítreo do OD

A hemorragia do disco é uma causa ou em efeito?

Admite-se que um evento vascular primário cause a hemorragia e subsequente lesão do disco. Contudo a lesão estrutural do anel pode originar colapso tecidular e rutura do complexo microvascular, o que explicará a existência de hemorragias adjacentes ao anel neuroretiniano, notching e recorrências próximas a áreas onde houve sangramento, enfatizando esta hipótese. Recentemente, ensaios clínicos randomizados assumem a hemorragia do disco como sendo um factor de risco para o desenvolvimento e progressão do glaucoma, mais comummente de ângulo aberto com pressão normal, admitindo que o seu aparecimento possa estar associado às propriedades biomecânicas da lâmina crivosa e tecidos envolventes, incluindo o binómio pressão intraocular- gradiente de pressão cerebroespinal, pressão arterial e pressão venosa10. Avanços técnicos recentes na tomografia de coerência óptica de domínio espectral produziram evidências mais convincentes da existência de ruptura vascular mecânica subjacente à patogénese da hemorragia do disco no glaucoma e que a H.D. estará associada à progressão estrutural e funcional da doença. Além disso, achados recentes sugerem que a hemorragia do disco pode ter diferentes significados patogénicos de acordo com a sua localização, recorrência e mecanismos subjacente associados11.

Pode a Hemorragia do disco estar associada a perda da camada de fibras nervosas em olhos com configuração normal do disco óptico?

Poderão existir perdas na camada de fibras nervosas retinianas, isto é alterações pré-perimétricas, em olhos com configuração aparentemente normal e H.D. associada. Sugerem-se nesses casos, estudos estruturais (OCT / HRT /GDX,) para detectar alterações pré-perimétricas associadas à hemorragia do disco12(Fig. 3).

Fig. 3 Defeitos estruturais e campos normais

Qual a possibilidade de recorrência das hemorragias do disco?

As hemorragias recorrem em 12 meses, desde a 1ª hemorragia e podem ser bilaterais. Não confundir persistência com recorrência (a H.D., pode permanecer quatro meses)4.

Qual o significado clínico em termos de progressão, da hemorragia do disco?

Vários estudos sugerem propensão para a progressão do binómio Glaucoma – Hemorragia/Disco,4,13,14. A velocidade de progressão é referida como sendo superior em hemorragias localizadas no quadrante ínfero-temporal (63%), podendo ser simples, múltiplas e de recorrência comum. (Fig. 4).

Fig. 4 Degradação do campo visual após hemorragia do disco

E se houver recorrência, qual o significado e riscos de progressão?

·         5-6 anos após o aparecimento de uma H.D. que não recorre, num glaucoma de ângulo aberto – a progressão será de 45%.

·         Se houver uma hemorragia de novo – a progressão será então de 81%.

·         Se o número de hemorragias no disco for de 2 HD – a progressão será de 100%6,15.

 Qual o significado em termos de progressão perimétrica de hemorragias do disco recorrentes na localização inicial, ou em diferentes localizações do disco óptico?

Foram realizados estudos comparando as hemorragias de disco recorrentes no mesmo local (HRML) e em diferentes locais do disco (HRDL), com a progressão dos defeitos de campos visuais nestes dois grupos. As hemorragias que recorreram no mesmo local não apresentaram diferenças estatisticamente significativas em relação às que não recorreram, quanto à alteração do campo visual. Contudo as hemorragias que recorreram em localizações diferentes da inicial apresentaram uma diferença significativa em termos de progressão campimétrica se comparadas as hemorragias recorrentes no mesmo local. Ou seja: Hemorragias recorrentes em localizações diferentes, da hemorragia inicial apresentam uma mais pronunciada progressão campimétrica16.

Qual o tipo de tratamento a instituir?

Tanto o OHTS como o EMGT, consideram que o tratamento médico não altera a incidência de H.D., tanto nos grupos controle, como tratados17.

Em ambos os ensaios a redução da pressão, pode ter sido insuficiente para retardar a perda de campo visual, quando se desenvolve a hemorragia.

Qual a atitude terapêutica mais adequada?

Estudos observacionais não randomizados mostraram que olhos submetidos a cirurgia filtrante do glaucoma, apresentavam uma deteção de hemorragias do disco menor, do que antes da cirurgia. O procedimento cirúrgico poderá reduzir a deteorização rápida do campo visual após a hemorragia18.

Que metodologia utilizar num doente com H.D., paquimetria normal e PIO de 16 mm Hg sob terapêutica tópica?

·         Se houver fotografias anteriores - REAVALIAR (a H.D. pode ter passado despercebida).

·         Se descobrir uma H.D.- AVALIAR campos visuais C.V. a longo prazo - (BIOGRAFIA PERIMÉTRICA DA DOENÇA).

·         Se não houver PROGRESSÃO no C.V. durante 10 anos - O EFEITO MECÂNICO da H.D. provavelmente não causará lesões.

·         Se houver sinais de PROGRESSÃO no C.V. - modificar o valor da PRESSÃO ALVO (16mmHg será elevada).

·         Se a PIO for de 12mmHg - realizar CURVA NICTEMRAL.

·         Se a PIO estiver entre 10-12 mmHg, e se detectar uma H.D., o TRATAMENTO pode ser pior que a DOENÇA19.

·         Abordagem multidisciplinar envolvendo cardiologista e neurologista.

·         Valorizar a Hipotensão sistémica noturna – O fluxo na cabeça do N.O., diminuído durante o sono, pode explicar a patogenia da progressão do defeito de C.V. num Nervo óptico vulnerável e traduzir a agressão final de uma situação multifactorial - Monitorização da Pressão Arterial nas 24h20.

·         Betabloqueantes tópicos podem agravar hipotensão noturna e reduzir o débito cardíaco, constituindo fator de risco21,22.

·         Eco Doppler das artérias carótidas, basilares e válvulas cardíacas.

 

Conclusões

A existência de uma hemorragia do disco no glaucoma, alerta para risco de progressão.

Modificar a atitude de vigilância/terapêutica encurtando os tempos de observação. Doentes com H.D. e insuficiente controle tensional mesmo sem alterações perimétricas, (Pré-perimétricos) devem ser cuidadosamente monitorizados estando em grande risco de progredir23. Realizar exames de campos visuais e estruturais cada 6 meses, em paralelo com observação cuidadosa do disco óptico.

Em doente medicado, associar de imediato. segundo fármaco ou realizar trabeculoplastia.

A realização de cirurgia na hemorragia do disco deve ser ponderada (casos de rápida degradação), pois nem todas as H.D. levam a progressão.

Avaliar cada doente num contexto individual, com as suas respostas hemodinâmicas, características fenotípicas e fatores de risco associados.

 

 

4ª Edição - Maio 2017