A cirurgia de catarata é diferente no Glaucoma pseudo-exfoliativo?

António B. Melo, MD

Assistente Hospitalar do Serviço de Oftalmologia, Hospital de São João, Porto.

A síndrome pseudo-exfoliativa (SPEX) foi descrita pela primeira vez em 1917, na Finlândia, e é a causa identificável mais frequente de glaucoma de ângulo aberto (Fig. 1).

Fig. 1 Síndrome pseudo-exfoliativa.

Em alguns países, o glaucoma pseudo-exfoliativo (GPEX) chega mesmo a ser mais frequente que o glaucoma primário de ângulo aberto. Tanto o GPEX como a catarata afectam preferencialmente o mesmo grupo etário (idade > 65 anos), pelo que ocorrem em simultâneo num grande número de pacientes. Para além da associação etiológica com a hipertensão ocular (HTO) e o glaucoma, a SPEX está também associada a um aumento da incidência de catarata, à má dilatação pupilar, à fragilidade zonular e a um risco aumentado de complicações intra-operatórias (ruptura da cápsula posterior, perda de vítreo, desinserção do saco capsular, queda de núcleo) e pós-operatórias (inflamação, descompensação endotelial, fimose capsular, subluxação/luxação do complexo LIO-saco), pelo que a cirurgia de catarata nestes doentes exige cuidados específicos que a tornam, em alguns aspectos, diferente da cirurgia de catarata nos doentes sem SPEX ou GPEX1,2.

Efeito da cirurgia de catarata na pressão intraocular

O efeito benéfico da facoemulsificação na pressão intra-ocular (PIO) foi já demonstrado em diversos estudos. Este efeito parece estender-se aos doentes com SPEX e GPEX, mas é mais significativo nos doentes apenas com SPEX (sem critérios de neuropatia glaucomatosa). A descida da PIO é tanto maior quanto maior for o seu valor pré-operatório e quanto mais estreito for o ângulo irido-corneano. Apesar deste efeito na PIO a longo prazo, a facoemulsificação pode provocar picos hipertensivos nos primeiros dias após a cirurgia3,4. Shingleton estudou o efeito da cirurgia de facoemulsificação na PIO em doentes com SPEX (882 olhos) e GPEX (240 olhos), e verificou picos de HTO > 30 mm Hg no primeiro dia pós-operatório em 4% e 17% dos doentes, respectivamente3. Olhos com glaucoma avançado e perda campimétrica grave podem não tolerar picos de HTO desta magnitude, pelo que nestes casos deve ser considerada a realização de uma cirurgia combinada, de forma a melhorar o controlo tensional no pós-operatório.

Aspectos cirúrgicos

A dificuldade acrescida da cirurgia de catarata e o risco aumentado de complicações intra-operatórias nos olhos com pseudo-exfoliação resultam, essencialmente, de duas condições que ocorrem com grande frequência nestes doentes: a má dilatação pupilar e a fragilidade zonular. Os primeiros estudos que compararam a cirurgia de catarata em olhos com e sem pseudo-exfoliação referem uma taxa de complicações 5 a 10 vezes superior nos olhos com pseudo-exfoliação. Estudos mais recentes apontam, no entanto, para taxas de complicações intra-operatórias semelhantes, se forem excluídos os olhos com facodonesis marcada e aqueles com cristalinos subluxados, casos em que deve ser ponderado o uso de técnicas alternativas como a extracção extracapsular ou intracapsular do cristalino5.

O tamanho reduzido da pupila aumenta o risco de traumatismo da íris durante a cirurgia e faz com que o cirurgião tenda a fazer a capsulorréxis anterior mais pequena, o que dificulta a extracção dos fragmentos do núcleo e aumenta a tracção exercida no aparelho zonular, assim como o risco de traumatismo da cápsula anterior. Assim, a dilatação pupilar desejada deve ser atingida usando material viscoelástico de alta densidade, ganchos de íris (Fig. 2) ou anéis expansores da pupila (ex: anel de Malyugin), se necessário. Nenhum destes métodos se revelou superior aos restantes, pelo que a sua escolha deve ser feita de acordo com o critério e experiência do cirurgião6.

 

Fig. 2 Olho esquerdo de doente de 72 anos com GPEX avançado, previamente submetido a trabeculectomia (falência) e a implante de válvula de Ahmed. 1 mês pós-operatório de facoemulsificação + LIO no saco, com ganchos de íris. Acuidade visual corrigida de 8/10, PIO de 15 mm Hg sem medicação.

A fragilidade zonular pode ser evidente, quando se observa facodonesis ou subluxação do cristalino, ou detectada através de sinais mais subtis no exame biomicroscópico, como iridodonesis (mais facilmente observada após aplicação de pilocarpina) ou assimetria na profundidade da câmara anterior. O estudo pré-operatório deve assim ser realizado com especial cuidado nestes doentes, tendo em vista um melhor planeamento da técnica cirúrgica. A instabilidade zonular acaba, no entanto, na maior parte das vezes, por ser detectada apenas intra-operatoriamente, durante a realização da capsulorréxis anterior (dificuldade na punção da cápsula anterior e na propagação da réxis, e observação de estrias na cápsula anterior), ou em fases mais avançadas da cirurgia.

Alguns passos da cirurgia de facoemulsificação devem ser adaptados ao facto de estes doentes terem instabilidade zonular7. A manutenção de uma câmara anterior formada e estável é essencial durante toda a cirurgia, pois diminui o stress zonular e o risco de prolapso de vítreo por eventuais zonas de diálise zonular, o que pode ser também conseguido através do uso de um viscoelástico dispersivo colocado perifericamente, atrás da íris. De entre as várias técnicas de facoemulsificação, a técnica de phaco-chop vertical parece ser a menos agressiva para o aparelho zonular e deve ser privilegiada, de acordo com a experiência do cirurgião. 

Em casos de deiscência zonular menor ou igual a 120o, ou de facodonesis ligeira, é recomendado o uso de um anel de tensão capsular (ATC), que pode ser introduzido em qualquer fase da cirurgia, após a capsulorréxis anterior. Na presença de instabilidade zonular mais grave deve ser ponderado o uso de um ATC modificado (com fixação escleral) ou de um segmento de tensão capsular8. Outra opção é a utilização de ganchos de íris usados como retractores capsulares, colocados no bordo da capsulorréxis anterior, o que assegura uma boa estabilidade do saco capsular durante a cirurgia. A lente intraocular (LIO) a implantar deve ser adequada a cada caso. As lentes monobloco e de hápticos abertos parecem ser as mais indicadas, por permitirem uma introdução no saco capsular menos traumática (em relação às lentes de 3 peças), e por serem passíveis de fixação escleral posteriormente, caso haja subluxação / luxação do complexo LIO-saco, o que ocorre com relativa frequência nos doentes com pseudo-exfoliação. Não existe, no entanto, nenhuma LIO que tenha provado ser superior em relação às outras na redução do risco desta complicação9. Lentes que exijam um centramento perfeito, nomeadamente lentes multifocais, devem ser também, por este motivo, preteridas, dada a possibilidade de subluxação do complexo LIO-saco no pós-operatório, assim como as lentes de câmara anterior de suporte angular nos casos de glaucoma e a colocação de lentes no sulco na presença de deiscência zonular.

A perda de integridade da barreira hemato-aquosa e a endoteliopatia10, também características destes doentes, aumentam os riscos de uma resposta inflamatória mais exuberante e de descompensação endotelial no pós-operatório, respectivamente, o que deve ser tido em conta na escolha dos parâmetros da facoemulsificação.

Conclusão

A cirurgia de catarata está associada a um risco aumentado de complicações no doente com pseudo-exfoliação. Um estudo pré-operatório cuidado, o uso de uma técnica cirúrgica adaptada a cada caso, e um seguimento pós-operatório rigoroso, garantem, no entanto, bons resultados (Fig. 3).

Fig. 3 Olho com SPEX, submetido a facoemulsificação com colocação de LIO no saco há 2 anos, actualmente com deposição de material de pseudo-exfoliação na face anterior da LIO. 
(fotografia gentilmente cedida pelo Dr. Flávio Paiva)

Dezembro 2012