Qual o interesse dos testes selectivos em caso de suspeita de glaucoma?

Pedro Faria, MD

Assistente Hospitalar de Oftalmologia. Centro de Responsabilidade Integrada de Oftalmologia do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra (CRIO-CHUC), Coimbra.

A relação entre as características alterações estruturais do disco óptico (DO) ou da camada de fibras nervosas (CFN) e os défices funcionais correspondentes tem sido fundamental para a nossa compreensão da doença glaucomatosa1. Logo, a confirmação de que alterações estruturais suspeitas de neuropatia óptica glaucomatosa (NOG) são causadas pela doença é obtida pela deteção de disfunção visual. Recentemente, foi proposto que a precocidade da perda estrutural é, em parte, causada pela maior variabilidade da perimetria convencional (PEC)2. Igualmente, a PEC só deteta alterações quando grande parte das fibras (20 a 40%) está perdida, aparentemente porque o seu estímulo branco-branco (BB) é detetado pela maioria dos diferentes subtipos de células ganglionares. Múltiplos trabalhos demonstraram que as diferentes funções visuais estão comprometidas no glaucoma3-6, com algumas mais afetadas do que outras, dependendo do indivíduo, não havendo assim uma perda preferencial. Testes desenhados para isolar a resposta de cada sistema funcional (designados seletivos) reduzem a redundância do sistema e apresentam limiares alterados, quer no glaucoma, quer nos suspeitos de glaucoma, mais precocemente que a PEC.

Atualmente existem variadas perimetrias computorizadas comercializadas (quadro 1) em que o estímulo não é o convencional BB, assim como testes não perimétricos, principalmente da função central (como o CCT).

Quadro 1 Vias neuronais e estímulos das diferentes perimetrias comercializadas.

A vantagem teórica da perimetria azul-amarelo reside na densidade relativamente baixa de cones azuis na região central, reduzindo a redundância deste sistema. Uma das limitações do SWAP é ter maior variabilidade do que a PEC, tanto a nível individual como na população, devido a maior influência pré-retiniana (dispersão de luz, cristalino amarelado e opacificado, pigmentação macular). Logo, a perda glaucomatosa difusa é difícil de detetar e apresenta resultados pouco satisfatórios quando há catarata significativa e nos mais idosos. Deteta defeitos glaucomatosos mais cedo do que a PEC7 em muitos suspeitos, especialmente nos mais jovens, ajudando na decisão de saber quem tem maior risco de conversão e, portanto, indicação de início de tratamento. Contudo, num balho recente em hipertensos oculares (HTO), a sensibilidade da SWAP para detetar a conversão para glaucoma era semelhante à PEC8. Um teste central da sensibilidade de contraste cromático (CCT) também revelou limiares alterados na HTO9.

A Perimetria de Frequência Duplicada (FDP) utiliza um estímulo de barras preto/branco que alternam rapidamente, dando a ilusão de duplicação do número de barras. É um teste à sensibilidade de contraste acromático, com movimento, que tem como alvo apenas cerca de 3% das células ganglionares (My). O FDP apresenta alta sensibilidade e especificidade para a deteção de glaucoma, usando a PEC como gold standard. Tem uma variabilidade interteste menor do que o PEC10. Muitos doentes acham mais fácil de realizar e tem uma aprendizagem mais rápida. Na HTO há correlação com córneas finas, outro fator de risco para o glaucoma. É resistente a defeitos refrativos até 6 dioptrias. 65% dos olhos com PEC normal de doentes com glaucoma no olho adelfo apresentam FDP (N-30) alterados. Desses olhos, 50% desenvolveram defeitos no PEC em média um ano depois, algo que não se verificou nos casos de FDP normais11. O FDP Matrix 24-2 é consistentemente melhor na discriminação entre olhos glaucomatosos e saudáveis12. Em suspeitos, 32% dos olhos perimetricamente normais e com resultados anormais no FDP desenvolveram defeitos no PEC (em média 21 meses depois), apresentando vantagem no diagnóstico precoce13. Sample (2006) comparou a sensibilidade diagnóstica entre o FDP, o SWAP, o HPRP e o PEC, em doentes com NOG e com NOG progressiva (Quadro 2)3. O SWAP tem o pior desempenho, ao passo que os outros não diferem significativamente, embora o FDP tenha apresentado a sensibilidade mais alta. Quando mais do que um teste estava alterado, o mesmo quadrante do CV estava atingido3. Em suspeitos de glaucoma com HTO, com PEC normal e FDP alterada, 28% desenvolveram defeitos no PEC, em média 22 meses depois14. O FDP (N-30) correlaciona-se significativamente com a CFN (do OCT)15. As alterações no FDP-Matrix em doentes com glaucoma apresentam elevado risco para escotomas futuros no PEC16.

Quadro 2 Valores da área sobre a curva (ROC) que traduzem a sensibilidade diagnóstica de diferentes perimetrias (Sample et al, 2006)3.

O estímulo usado na Perimetria de Flicker (PF) é uma luz cintilante. A PF pode ser realizada no Octopus. Este teste mede a frequência crítica de fusão, que é o limiar de deteção da cintilação. A comparação desta perimetria com o FDP, num grupo de suspeitos, revelou vantagem da PF, com uma sensibilidade de 72% e especificidade de 75%17. A capacidade da PF de detetar alterações glaucomatosas, em glaucoma suspeitos, traduz-se numa ROC de 0,80, ao passo que este parâmetro era para o SITA-SWAP e o FDP (24-2-5) de 0,70 e de 0,66 respetivamente5

A deteção de movimento, testando apenas uma localização, demonstrou disfunção, precedendo a PEC, com uma sensibilidade de 75% e especificidade de 84% (Baez, 1995). Outro trabalho indicou a presença de défices paramaculares da discriminação local de movimento, em hipertensos oculares18. Existe igualmente uma perimetria de movimento (Motion Detection Perimetry-MDP)19, embora não haja publicações que demonstrem o seu valor diagnóstico.

Na comparação entre perimetrias, em doentes com glaucoma ou suspeitos, nenhum dos testes estava alterado em todos os doentes3,20-25, o que sugere que uma combinação de testes será mais eficaz na deteção precoce de disfunção, confirmando a área da retina afetada pelo glaucoma. No entanto, a sensibilidade sobe, mas a especificidade desce quando se combinam testes, devido à maior probabilidade de os resultados estarem fora dos limites normais. Na clínica, o que tradicionalmente pesa na decisão de iniciar o tratamento em suspeitos de glaucoma são aspetos relacionados com a PIO, a espessura corneana e as características da escavação e do disco26. Os exames seletivos, quando alterados, nos casos 129 de suspeita de glaucoma, são um indicador de maior probabilidade diagnóstica, entrando igualmente na ponderação da decisão terapêutica.

Dezembro 2012