Porquê mudar da trabeculectomia convencional para a trabeculectomia modificada de Moorfields Safer Surgery (MSS)?

Fernando Trancoso Vaz, MD

Assistente Hospitalar Graduado de Oftalmologia, Coordenador da Consulta de Glaucoma do Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, E.P.E.
Co-Autores: 
Ana Sofia Lopes, Susana Henriques, Diana Silva, Mafalda Mota, Maria Lisboa
Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, E.P.E.

Introdução 

A trabeculectomia é a cirurgia de glaucoma mais frequentemente realizada em todo o mundo. Apesar da sua eficácia, a trabeculectomia convencional está muitas vezes associada a uma taxa elevada de complicações associadas a uma drenagem excessiva de humor aquoso.1,2 Várias técnicas cirúrgicas têm sido desenvolvidas com o intuito de reduzir essas complicações, como é o caso da trabeculectomia modificada de Moorfields Safer Surgery (MSS). As principais vantagens associadas às modificações introduzidas consistem, em termos gerais, na melhoria da reprodutibilidade e da segurança da trabeculectomia traduzida num melhor controlo da pressão intraocular (PIO) intra e pós-operatória e numa menor taxa de complicações no pós-operatório imediato.1,2 Este capítulo pretende descrever esses fatores. A tabela 1 sintetiza a comparação entre as duas técnicas (convencional vs MSS), considerando as alterações adotadas pelos autores na transição entre as duas técnicas.

Vantagens

·         Principais desvantagens da técnica convencional:

1.    Menor controlo intraoperatório da PIO, com maior risco de hipotonia e de atalamia durante a cirurgia e das complicações pós-operatórias associadas, como hemorragia coroideia, edema macular e descompensação corneana.1,2 Não obstante muitos cirurgiões usarem viscoelástico na câmara anterior, ocorrem frequentemente flutuações da mesma, logo da PIO, que poderão estar associadas a maior risco de descompressão.

2.    Variabilidade da taxa de filtração pós-operatória. Apesar da sua eficácia, a trabeculectomia convencional está associada a uma taxa de complicações relativamente elevada, secundária por vezes a uma drenagem excessiva de humor aquoso (hipotonia, atalamia, maculopatia hipotónica, descolamento da coroideia, hemorragia da supracoroideia, glaucoma maligno e catarata). Essa hiperfiltração é mais difícil de controlar (difícil de controlar o grau de aperto das suturas esclerais).1-4

·         Principais vantagens da técnica de MSS:

1.    Maior segurança do procedimento associada a:

1.1.        Maior controlo da PIO durante a cirurgia por manutenção da estabilidade da câmara anterior e prevenção da redução brusca da PIO, através do uso de um estabilizador de câmara anterior com infusão contínua de solução salina balanceada (Balanced Salt Solution BSS). Este fator foi também demonstrado no estudo realizado no nosso hospital em 2015, relativo à análise de eventuais alterações na câmara anterior objetivadas com câmara de Scheimpflug (Oculus – Pentacam®), tendo o estudo indicado a presença de pequenas alterações dos parâmetros da câmara anterior, sem repercussão na sua estabilidade.1,2,5

1.2.        Maior reprodutibilidade e controlo da drenagem, pois é feito o aperto das suturas esclerais ajustáveis/removíveis sob caudal de BSS constante, e ajustando o aperto consoante este último. Após a cirurgia, se PIO elevada, é possível ajustar e/ou remover as suturas extras para aumentar a drenagem que, entretanto, se controlou. Este fator foi demonstrado no estudo de Minwen et al.3, relativo à comparação da trabeculectomia com e sem a aplicação de suturas reabsorvíveis. 1-4

1.3.        Desbridamento subconjuntival/Tenon maior e mais difuso e a aplicação difusa e debaixo do flap de Mitomicina C (MMC, quando necessária), permite obter uma ampla bolha de filtração e não quística, com menos complicações. Este fator foi demonstrado no estudo de Wells et al.6, relativo à formação de bolhas quísticas e complicações tardias associadas após trabeculectomia com aplicação de MM C.1,2,6

2.    Maior reprodutibilidade do procedimento associada a:

2.1.        Utilização de punch 0.5 mm, com criação de uma esclerostomia sempre do mesmo tamanho e não variável como na trabeculectomia convencional. 1,2

2.2.        Aperto padronizado, intraoperatório sob infusão contínua de BSS, das suturas esclerais extras (ajustáveis/removíveis). 1,2

3.    Simplicidade da técnica, sendo fácil de implementar:

3.1.        Necessidade de pouco equipamento adicional

3.2.        Curva de aprendizagem pequena.2

 

Passos

Trabeculectomia

Convencional

Trabeculectomia MSS

Vantagens

Incisão conjuntival

Base límbica

Base fórnix

Maior área de filtração

Antifibróticos

Sob e sobre o flap

Sob e sobre o flap e numa área extensa e bastante posterior

Obtenção de bolha ampla e difusa, com menos riscos como se verifica na quística

Paracentese

Sem estabilizador de CA

Com estabilizador de CA

Segurança

Esclerostomia

Com faca de 15º/

tesoura de Vannas

Com punch 0.5mm

Reprodutibilidade

Suturas do flap escleral

2 Suturas fixas

2 Suturas fixas + ≥2 suturas ajustáveis

Segurança e reprodutibilidade

Tabela 1 – Comparação das duas técnicas (convencional vs MSS), considerando as alterações adotadas pelos autores na transição entre técnicas.

Resultados

Infelizmente não existem estudos comparativos entre as duas técnicas, pelo que temos que nos socorrer de estudos em que as técnicas cirúrgicas são avaliadas individualmente. Por outro lado, é difícil estabelecer uma comparação completa entre os estudos existentes, mesmo relativamente às complicações, dado que nem sempre as populações são idênticas, assim como o tipo de glaucoma e os critérios de taxa de sucesso. O estudo retrospetivo de Shigeeda et al.7, com realização da trabeculectomia convencional, descreve uma taxa de sucesso de 74% aos 6.8 anos, com fuga de líquido da bolha em 7.9±2.6% dos olhos, hipotonias prolongadas em 8.3±2.5% e blebite em 5.9±2.4%. O estudo de Khaw et al.1, usando a trabeculectomia MSS, descreve uma taxa de sucesso de 98.7% aos 3 anos, com menor taxa de complicações: blebites, endoftalmites e maculopatia hipotónica em 0.2%, cada, e nenhum caso de hemorragia supracoroideia. O estudo de Stalmans et al.2 descreve igualmente uma baixa taxa de complicações (hipotonia em 1.5% até à 3ª semana, atalamia em 1.8%, descolamento da coróide em 8.9% até ao 12º mês de pós-operatório e nenhum caso de fuga de líquido da bolha). Este estudo destaca ainda a estabilidade da PIO em níveis inferiores a 12 mmHg ao longo do follow-up, desde o 1º dia até ao 21º mês do pós-operatório. Acrescenta-se o estudo preliminar realizado no nosso hospital em 20118, apresentado no 4th World Glaucoma Congress (2011, Paris), com os primeiros 32 olhos operados (28 doentes), com média de PIO ao 1º mês de 10.75±4.15 mmHg e ao 3º mês de 10.83±2.5 mmHg e, com complicações pós-operatórias também pouco frequentes (fuga de líquido da bolha em 3%, hipotonia até à 2ª semana em 3% e descolamento da coroideia ao longo do follow-up em 6%).5 Outros estudos usando a mesma técnica corroboram os dados referidos.

Concluindo…

Porque mudar da Trabeculectomia Convencional para a Trabeculectomia Modificada de Moorfields Safer Surgery (MSS)? Porque se obtém uma técnica mais reprodutível, mais segura, com maior controlo da PIO, com menos complicações e, por ter uma curva de aprendizagem pequena, é fácil a transição, sem grandes custos, ou necessidade de recorrer a implantes ou dispositivos. Resumidamente, as modificações adquiridas com a técnica de MSS que permitem alcançar essas caraterísticas são: uma disseção da conjuntiva alargada com área extensa de aplicação de MMC (se necessária), utilização de estabilizador de câmara anterior com infusão contínua de BSS, esclerostomia padronizada com punch e combinação de suturas esclerais fixas e ajustáveis/removíveis.1,2,5

4ª Edição - Maio 2017