Hipertensão Ocular deve ser monotorizada só com OCT, sem perimetria?

Maria da Luz Freitas, MD, FEBOS Glaucoma

Grau de Consultor da Carreira Médica Hospitalar de Oftalmologia. Hospital da Arrábida, Porto.

(Artigo apresentado no 5º Congresso Mundial COPHy, 20-23 Março 2014)

O Glaucoma é uma doença crónica degenerativa caracterizada pela perda de células ganglionares da retina, que levam a alterações características da cabeça do nervo óptico e da camada de fibras ópticas. O diagnóstico e tratamento precoces é crítico para a prevenção da lesão estrutural permanente e perda irreversível da visão.

Desde longa data há estudos publicações e recomendações neste sentido. Recordo algumas das publicações. A publicação de 2002 do Archives of Ophthalmology a propósito do Estudo de Tratamento da Hipertensão Ocular (OHTS)1 refere que as alterações do disco óptico são detectadas mais precocemente do que as alterações dos campos visuais em cerca de metade dos hipertensos oculares que progridem para o glaucoma. O ESAFAT2,3 (European Struture and function Assessment Trial) conclui que quando a avaliação é realizadas por especialistas de glaucoma, a precisão das fotografias estereoscópicas do disco óptico é de 80,5%, descendo para 59%, se houver cruzamento com a análise dos campos visuais. A publicação mensal da Sociedade Europeia de Glaucoma, de Setembro 2013, foi sobre a utilidade da medição da espessura da camada de fibras nervosas na determinação dos doentes com hipertensão ocular que virão a desenvolver glaucoma: doente com hipertensão ocular e perda moderada a grave da camada de fibras nervosas, tem um risco associado de 7-8 vezes maior para a perda subsequente de campo visual. Por outro lado, as lesões da camada de fibras nervosas ocorrem em 60% dos olhos hipertensos oculares 6 anos antes das alterações observáveis nos campos visuais4,5,6,7.

Até aqui há consenso generalizado. Mas o que propõe responder é se o uso do OCT dispensa a realização da perimetria para estudo e seguimento dos hipertensos oculares. Para respondermos a esta questão temos que saber qual a sensibilidade, a especificidade e precisão do OCT isolado na avaliação do disco óptico, camadas das fibras nervosas e medição da camada das células ganglionares- plexiforme interna.

Mwanza et al8,9,10 demostrou a capacidade do OCT Cirrus HD em discriminar os olhos normais dos glaucomatosos. Os diferentes parâmetros de avaliação da cabeça do nervo óptico e espessura da camada de fibras nervosas permitem separar os olhos normais dos que tem glaucoma. Esta capacidade mantém-se na separação de olhos normais e glaucoma ligeiro, mas já não se verifica na diferenciação entre glaucomas moderados e graves (quados 1 e 2). 

Quadro 18Curvas ROC dos melhores parâmetros para discriminar entre os olhos normais e olhos com glaucoma moderado a grave (A) e seis melhores parâmetros para discriminar os olhos normais e olhos com glaucoma moderado (B). CDR= relação escavação-disco; Inf. = inferior; RNFL= camada das fibras nervosas retinianas; ROC= características operativas; Sup. = superior; VCDR= relação escavação-disco vertical; VRT= espessura do anel neurorretiniano vertical 

Quadro 28  - Tendência da capacidade da espessura do anel neurorretiniano vertical, área do anel neurorretiniano, média da espessura da camada de fibras nervosas retiniana, e espessura da camada de fibras nervosas retinianas do quadrante inferior para discriminar entre os olhos normais e olhos com glaucoma, olhos normais e com glaucomas ligeiro, moderado e grave. Inf= inferior; RNFL= camada das fibras nervosas retinianas; VRT= espessura do anel neurorretiniano vertical 

Mwanza também concluiu que não há diferença entre os parâmetros de avaliação da cabeça do nervo óptico e espessura da camada de fibras nervosas na separação dos olhos normais dos com glaucoma. Quando este grupo de trabalho estudou a capacidade diagnóstica da espessura das células ganglionares-plexiforme interna, concluiu que é tão boa como os parâmetros da cabeça do nervo óptico e espessura da camada das fibras nervosas peripapilares. Contudo a sensibilidade e valor preditivo positivo da espessura da camada de fibras nervosas no sector inferior é superior a qualquer dos outros parâmetros (quadro 3). 

Quadro 310Capacidade discriminativa para o glaucoma precoce da camada de células ganglionares maculares-plexiforme interna, camada de fibras nervosas retinianas peripapilares e parâmetros do nervo óptico

Medeiros publicou em 201111 um trabalho que pretendia estimar a capacidade de prever o desenvolvimento precoce de alterações perimétricas através da contagem de células ganglionares na área peripapilar em olhos suspeitos de glaucoma que sofreram conversão, comparando com uma população normal. Utilizou uma série de fórmulas empíricas e concluiu que há uma perda média de 28,4% de células ganglionares antes do aparecimento dos primeiros sinais perimétricos. Contudo verificou que existe uma variabilidade muito grande entre os olhos estudados.

Shin et al12 avaliaram a capacidade de diagnóstico da espessura da lâmina das células ganglionares-plexiforme interna tendo em conta a localização das perdas do campo visual. Estudou 84 doentes com glaucoma precoce e 43 indivíduos normais e dividiu em três grupos distintos: grupo 1 sem alterações perimétricas, grupo 2 com escotoma parafoveal isolado e grupo 3 com degrau nasal periférico isolado. A média e mínimo de espessura da lâmina células ganglionares-plexiforme interna é significativamente menor no grupo 2 em relação ao grupo 3. Mas ao avaliar a espessura da camada de fibras nervosas peripapilares este facto não se verifica. Concluiu que a capacidade de diagnóstico da espessura da lâmina células ganglionares-plexiforme interna depende largamente da localização da perda de campo visual (Fig.1)

Figura 112 - (A) Caso de escotoma parafoveal superior. (B) Caso de degrau nasal periférico superior.

A publicação mensal da Sociedade Europeia de Glaucoma, de Janeiro 2014, sugere que a precisão das medições da cabeça do nervo óptico ainda não é a ideal e que necessitam de maior desenvolvimento e optimização 13,14,15,16.

Pelos estudos apresentados a sensibilidade, especificidade e valor preditivo positivo de alguns parâmetros (que não são iguais para todos os olhos ou tipos de lesão inicial) são altos. Mas para além de questões de precisão dos métodos de avaliação devemos juntar a problemática dos desenhos dos diferentes estudos prospectivos e o tipo de população. Em relação ao desenho dos diferentes estudos gostaria de referir os critérios utilizados para definição de lesão inicial: por vezes estruturais subjectivos como as fotografias; outras vezes estruturais objectivos, mas variando de tipo e parâmetros utilizados; por vezes funcionais; e outras vezes utilizando critérios mistos. A escolha dos critérios de definição de lesão inicial condiciona necessariamente os resultados e conclusões. Em relação à população de estudo utilizada, geralmente os critérios são tão electivos que englobam olhos demasiadamente ideais, deixando de fora toda a diversidade de tamanho e forma de disco óptico e mesmo de outras patologias, como as maculopatias frequentes (exemplo: degenerativas e diabética) e outras neuropatias. Isto faz com que na nossa prática clínica a especificidade e valor preditivo positivo não sejam tão altos e por tanto diminuindo a força diagnóstica.

A outra questão que se coloca quando se propõe o seguimento dos doentes hipertensos oculares sem ajuda da perimetria é a capacidade que o OCT tem em avaliar progressão e neste caso conversão de doentes hipertensos em glaucomatosos. Leung et al17, 18 mostrou o impacto da idade na avaliação da espessura da camada de fibras nervosas peripapilares em olhos normais assim como o impacto das alterações relacionadas com idade na avaliação de progressão em olhos com glaucoma. Com a idade e por ano a alteração da média da espessura da camada de fibras nervosas é de -0,52 mm, no quadrante superior de -1,35 mm e no quadrante inferior de -1,25 mm. No que respeita a avaliação de progressão concluiu que nenhum dos parâmetros estudados (lâmina das células ganglionares-plexiforme interna, retina interna, retina externa, espessura total da mácula, espessura da camada de fibras nervosas peripapilares) tinha capacidade superior a 50% na avaliação de progressão, reduzindo para 26,7% após o reajuste das alterações provocadas pela idade. Verificou que o parâmetro que menos sofreu as alterações da idade é a espessura da camada de fibras nervosas peripapilares. Por outro lado a concordância entre a detecção de progressão da espessura da camada de fibras nervosas e medidas maculares era pobre, independentemente do ajuste das alterações provocadas pela idade.

Na et al19 estudou a sensibilidade da análise de tendências da espessura da camada de fibras nervosas, espessura da camada de células ganglionares-plexiforme interna e da espessura macular total. Verificou que a sensibilidade de cada um dos parâmetros era 8%, 14% e 5%, respectivamente (bastante inferior às referencias de progressão quando obtidas com base na fotografias do nervo óptico ou perimetria).

Concluindo, apesar dos desenvolvimentos tecnológicos e devido à diversidade dos discos ópticos, é difícil estabelecer qual ou quais os parâmetros estruturais que per si são os mais recomendados na avaliação e seguimento de olhos suspeitos de glaucoma e mesmo os com glaucoma, de forma isolada e única. Assim, na minha opinião, a abordagem dos olhos hipertensos e com glaucoma baseia-se na combinação dos exames estruturais e funcionais, não esquecendo a história clínica, avaliação dos factores de risco e possibilidade de outros diagnósticos diferenciais.

 

2ª Edição - Maio 2014