Sexo é um factor de risco para o Glaucoma?
Teresa Gomes, MD
Para falarmos com propriedade sobre o assunto em epígrafe, o primeiro passo é definirmos exactamente o factor de risco em questão.
O que se entende por sexo ?
Uma pesquisa feita ao dicionário on-line da Porto Editora mostra o que de seguida se reproduz:
Sexo - nome masculino
- conjunto de características físicas e funcionais que distinguem o macho da fêmea
- conjunto de pessoas que têm morfologia idêntica relativamente ao aparelho sexual
- órgãos sexuais
- relação sexual
- atividade reprodutora
- sensualidade
- prazer sexual
Porto: Porto Editora, 2003-2013. [Consult. 2013-10-19].
Assim podemos dividir o sexo como factor de risco para o glaucoma em dois grandes grupos, como género e como actividade.
De forma talvez surpreendente, há publicações desde há muitos anos, mesmo décadas, quer referentes ao género quer referentes à actividade sexual.
Comecemos pelo género. A maior incidência num sexo do que no outro é conhecida de há longa data para alguns tipos de glaucoma. É o caso do encerramento primário do ângulo1,2,3, a ciclite heterocrómica de Fuchs', o glaucoma de pressão normal e o glaucoma pseudo-exfoliativo entidades para as quais o sexo feminino tem um maior risco. Por outro lado o glaucoma primário congénito e o glaucoma pigmentar são mais prevalentes nos indivíduos do sexo masculino.
O grande grupo do glaucoma primário de ângulo aberto, não tem uma prevalência distinta em termos de género, provavelmente porque à luz do conhecimento actual engloba ainda um vasto grupo de entidades, com características diferenciadas mas que ainda não conseguimos destrinçar.
Interessante é indagar o porquê destas diferentes prevalências. Se em alguns casos a justificação pode ser exclusivamente genética, noutros estará relacionada com diferenças morfológicas do globo ocular (ângulo estreito), ou diferenças endocrinológicas4 e vasculares (glaucoma de pressão normal), estas características por seu lado também geneticamente definidas.
Não podemos ainda deixar de referir que o ambiente, nomeadamente os diferentes hábitos e terapêuticas dos homens e mulheres (eg. uso de anovulatórios pelas mulheres e maior risco de traumatismos/acidentes nos homens), podem também influenciar os resultados dos estudos de prevalência.
Em relação ao sexo como actividade, várias são as questões que frequentemente são colocadas no nosso dia-a-dia de consultas. Apesar do oftalmologista poder relegar para um plano secundário estas questões, para muitos doentes elas têm uma importância determinante. Logo, faz todo o sentido saber responder a perguntas como as enunciadas:
- A actividade sexual é factor de risco para o glaucoma?
- Os inibidores da fosfodiesterase tipo 5 (eg Viagra®) são risco para a progressão da doença?
- A terapêutica do glaucoma pode perturbar a actividade sexual?
- Após a cirurgia de glaucoma, deve haver restrições à actividade sexual?
Os casos reportados ao longo dos anos, que relacionam glaucoma à relação sexual, referem-se exclusivamente ao ângulo estreito5,6. Muito mais difícil será estabelecer uma relação causal de risco ou benefício no que respeita ao GPAA, tendo em conta a evolução arrastada no tempo da doença.
Os inibidores da fosfodiesterase tipo 5, são actualmente a primeira linha de tratamento da disfunção eréctil. Sintomas visuais transitórios tais como fotofobia e a alteração da percepção das cores ocorrem em cerca de 3-10% dos homens medicados com sildenafil (Viagra®), a neuropatia óptica isquémica não arterítica têm também sido reportados mas com uma incidência muito menor7. Apenas um caso de encerramento do ângulo após terapêutica com sildenafil, está publicado na literatura8. Em relação a outros tipos de glaucoma, como o GPAA, nada tem sido reportado.
Várias são as publicações que associam a terapêutica do glaucoma à disfunção eréctil, nomeadamente os inibidores da anidrase carbónica sistémicos9. Estudos mais recentes10 falharam em demonstrar correlação da terapêutica anti-glaucomatosa tópica (beta-bloqueantes) e a impotência. Este facto deveu-se em grande parte ao facto de a maioria dos doentes apresentar um conjunto de patologias sistémicas, essencialmente do foro cardio-vascular e metabólico, que se tornam variáveis confundentes, o mesmo sucedendo com as terapêuticas sistémicas em curso.
Em relação à eventual associação do glaucoma com a disfunção eréctil, há um estudo também recente11, que identificou essa associação. No entanto, também na população estudada, a prevalência de patologias e terapêuticas sistémicas podem contribuir para o aumento da impotência nestes doentes, não sendo possível estabelecer com precisão uma associação directa entre o glaucoma e esta condição.
Por fim sublinhar a importância de fazer restrição da actividade física, que passa também pela actividade sexual, no pós operatório da cirurgia do glaucoma, independentemente da técnica utilizada. Esta medida poderá evitar complicações tais como: descolamento da coroideia e ruptura da janela trabeculo-descemetica (nas cirurgias não penetrantes).
Em conclusão, o sexo e a actividade sexual são factores de risco a considerar a quando da avaliação, tratamento e aconselhamento dos nossos doentes de glaucoma.