Quais as vantagens dos métodos cirúrgicos minimamente invasivos?

Arabela Futre Coelho, MD

Assistente Hospitalar Graduada, Joaquim Chaves Saúde

A Pressão Intra Ocular (PIO) continua a ser o único factor de risco mensurável e modificável no glaucoma e a sua redução uma das pricipais armas terapêuticas.

A obtenção da normalização tensional geralmente estabiliza a doença afastando a probabilidade de cegueira e melhorando a qualidade de vida do doente e familiares. No aspecto socioeconómico irá ser necessária menos terapêutica tópica e menos exames auxiliares de diagnóstico com uma consequente melhoria do bem estar físico e psíquico.

Com esse objectivo e em muitos casos, após a falência da terapêutica médica, a cirurgia é o passo seguinte.

A cirurgia filtrante muito tem evoluído desde as técnicas da esclerostomia não protegida até à trabeculectomia1 sob um retalho escleral, e às mais modernas técnicas de cirurgia não penetrante (CNP-viscocanalostomia e esclerotomia profunda)2, mínimamente invasiva CMI (shunts3, implantes de drenagem4 e stents5) e de canal de Schlemm (CS-canaloplastia).

De qualquer forma o objectivo de todas estas técnicas, exceptuando aquelas que actuam específicamente sobre o CS (canaloplastia, stents,Trabectomo), é a obtenção de uma via artificial de drenagem do humor aquoso (HA) através de uma fístula sub escleral e de uma vesícula subconjuntival.

A trabeculectomia, introduzida em 1970 por Cairns, continua a ser a técnica mais comum e o ”gold standard“ da cirurgia filtrante mas as alternativas referidas atrás estão a ganhar terreno entre os cirurgiões de glaucoma tendo-se verificado o surgimento de inúmeras novas técnicas nos últimos anos.

Estudo Pré Operatório

Não cabe no âmbito deste tema a discussão das indicações para a cirurgia, mas a avaliação dos factores de risco de insucesso sim e estes são tão diversos como: idade, raça, cirurgias prévias, uveite, retinopatias, alta miopia, alergia a tópicos e terapêutica tópica de longa duração. O seu conhecimento é fundamental na preparação pré operatória, na escolha da técnica a utilizar, na utilização de anti-metabolitos, na escolha do tipo de sutura e na vigilância pós operatória, pois nestes casos a possibilidade de uma cicatrização mais agressiva é grande.

A gonioscopia é também essencial por revelar a amplitude do ângulo e a eventual presença de anomalias angulares.

A fundoscopia pode revelar patologia retiniana que a súbita descompressão pode agravar tornando as técnicas não penetrantes ou mínimamente invasivas as mais indicadas.

Técnica Cirúrgica1

Em termos gerais a Trabeculectomia consiste na obtenção de um retalho escleral de ± 4X4 mm com aproximadamente 2/3 da espessura total seguida da entrada na CA na porção mais anterior do leito escleral com faca de 15º, da excisão do bloco esclero- trabecular e iridectomia subjacente a fim de evitar um bloqueio pupilar ou do ostium interno da filtrante pela íris. (Fig.1)

Fig. 1-Ostium interno e iridectomia

Fig. 1-Ostium interno e iridectomia

Comparação com outras técnicas

Onde diferem então as técnicas mínimamente invasivas? (CMI)

Especialmente nos passos cirúrgicos da manipulação do bloco esclero-trabecular e da íris, uma vez que não há excisão tecidular.

O shunt ExPress e os dispositivos de drenagem posterior (Ahmed, Molteno, etc) são inseridos dentro da CA através de uma pré incisão efectuada com uma agulha, com um traumatismo tecidular mínimo. No caso do shunt obtém-se uma vesicula de filtração intra escleral e o controle tensional pode obter-se com ou sem bolha de filtração. (Fig. 2)

No caso dos dispositivos posteriores a drenagem é feita para o prato valvular.

Ambas as técnicas funcionam tal como a trabeculectomia com um retalho escleral e uma bolha de filtração subconjuntival, sem que haja excisão tecidular.

No caso dos stents (iStent, Hydrus, XEN, etc)5 a implantação faz-se por uma abordagem ab-interno conservando a integridade da conjuntiva e esclera.

A consequência é a menor frequência de complicações intra e pós operatórias como se pode verificar mais adiante.

Fig. 2-Shunt ExPress, observa-se o lago intra-escleral e a bolha de filtração sub-conjuntival

Fig. 2-Shunt ExPress, observa-se o lago intra-escleral e a bolha de filtração sub-conjuntival

Complicações na Trabeculectomia

As complicações estão relacionadas com as estruturas envolvidas  

Intra Operatórias

- Conjuntiva: rasgaduras, hemorragia

- Cornea: laceração epitelial

- Retalho escleral: demasiado fino, desinserção

- Esclerostomia: incompleta; lesão da íris, cornea ou cristalino – não se efectua na CMI

- Íris: iridectomia incompleta; encarceramento / prolapso (Fig. 3); hifema; iridodialise– inexistente na CMI

Como na CMI não é excisada íris as complicações como o encarceramento na ponta distal do tubo com hifema é rara excepto nos casos de incorrecta colocação.

 

Fig. 3 - Prolapso da íris

Fig. 3 - Prolapso da íris

  • - outras: lesão do cristalino ou corpo ciliar, ciclodiálise, perda de vítreo–inexistente na CMI; atalâmia, descolamento coroideu seroso ou hemorragico (Fig. 4) também possíveis na CMI.

Fig. 4-Descolamento coroideu

Fig. 4-Descolamento coroideu

Pós operatórias

Hipertonia precoce–com câmara anterior profunda

- Bloqueio da esclerostomia por íris, corpo ciliar, vítreo ou sangue–inexistente na CMI por não existir este passo cirúrgico, no entanto, como referido atrás, é possivel a oclusão da extremidade distal do tubo pela íris ou sangue.

- Suturas muito apertadas

- Fibrose da vesícula de filtração

Com câmara anterior estreita

- Desvio do circuito de circulação do HA – Glaucoma maligno

- Hemorragia supra coroideia

Hipotonia

Por excesso de filtração – muito menos frequente na CMI

Cornea

- Alterações da curvatura (astigmatismo)–muito menos frequentes na CMI

- Descolamento da Descemet como consequência da hipotonia–muito menos frequente na CMI

Falha Tardia da Vesícula de Filtração

- Obstrução do ostium interno–inexistente na CMI

- Cicatrização excessiva- muito menos frequente na CMI e inexistente nas técnicas da cirurgia canalicular porque a eficácia hipotensora destas técnicas não se baseia no funcionamento de uma bolha de filtração.

 

Conclusão

A CMI assim como a CNP surgiu como uma tentativa de reduzir as complicações relacionadas com a cirurgia penetrante3 mantendo um efeito hipotensor semelhante, objectivo que sem dúvida foi alcançado.

Os acessos sub esclerais sem excisão tecidular ou ab interno sem manipulação da conjuntiva e esclera reduziram largamente os riscos cirúrgicos e os processos de fibrose e cicatrização.

Todos os anos vão surgindo novas variantes pelo que as perspectivas futuras de melhor tratar os nossos doentes são aliciantes.

Dadas as suas características  estas intervenções podem ser consideradas mais precocemente e o seu leque de indicações alargado a situações como o glaucoma neovascular, do afaquico, Sturge Weber e uveítico.    

 

4ª Edição - Maio 2017